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terça-feira, 17 de dezembro de 2024

A pequena Angola

 

«Angola Janga» é uma obra a vários títulos excepcional. A história do livro está naturalmente romanceada, até porque, para além da tradição oral negra, de Pernambuco, só se conhecem os registos «oficiais», dos esclavagistas portugueses e dos militares. Mas é, mesmo que romanceada, muito bonita e dura.

Mas para além da história, «Angola Janga é uma obra de excepção também do ponto de vista gráfico, do desenho e da técnica. Um preto/ branco cru, sem cinzentos, enxuto, sem lenimentos, africanista se pretende, deliberadamente naïf, por vezes, e simultaneamente carregado de dramatismo. E belo.

D'Salete procura fugir ao discurso linear sem decair no abstraccionismo, mas a linguagem é claramente gráfica, de bd, nos desenhos, que não são retratos ou caricaturas, mas personagens em movimento, com vida, nas perspectivas, nos enquadramentos, nas chamadas, nas imagens cortadas, também na intromissão ou ausência dos balões, no dramatismo de que falei, e no final, o silêncio que sufoca, e o negro da noite.

A edição é da Polvo, de 2018, e tinha-me escapado completamente. A Polvo editou em português de Portugal (o original é, naturalmente, brasileiro) este magnífico «Angola Janga», que inclui introdução e posfácio, glossário e contextualização histórica e geográfica. 

Parabéns à Polvo e ao autor, Marcelo d'Salete, que desconhecia de todo. O Brasil não pára de me surpreender. Também na banda desenhada.

«Angola Janga, pequena Angola ou, como dizem os livros de história, Palmares. Por mais de cem anos foi como que um reino africano dentro da América do Sul. E, apesar do nome, não era tão pequeno como isso: Macaco, a capital, tinha uma população equivalente à das maiores cidades brasileiras da época.

Formada no fim do século XVI, em Pernambuco, a partir dos mocambos criados por fugitivos da escravidão, Angola Janga cresceu, organizou-se e resistiu aos ataques dos militares holandeses e das forças coloniais portuguesas.

Tornou-se o grande alvo do ódio dos colonizadores e um símbolo de liberdade para os escravizados. O seu maior líder, Zumbi, transformou-se numa lenda e inspirou a criação do Dia da Consciência Negra.

Angola Janga e Marcelo D’Salete arrebataram no Brasil, em 2018, os prestigiados troféus HQMix, nas categorias Edição Especial Nacional, Desenhista Nacional e Roteirista Nacional e ainda o prémio Grampo.

O livro foi igualmente nomeado para o mais importante prémio literário brasileiro, o Jabuti, na categoria Histórias em Quadrinhos (a atribuir em Novembro de 2018). Com 432 páginas é, provavelmente, o maior romance em banda desenhada já publicado por um autor brasileiro.»

Angola Janga, Marcelo d'Salete, Polvo 2018.

 



Robert Crumb desenha os Blues

 



Eu sou um incondicional do Robert Crumb que, para quem não sabe, é o «papa» da banda desenhada underground. Os menos conhecedores talvez já tenham, ainda assim, ouvido falar do gato mais mal educado e pervertido da história, Fritz the Cat, uma criação de Crumb dos anos 60 do século passado.

Para além de ser uma lenda da BD, Crumb é conhecido por ser um audiófilo e um melómano e colecionador compulsivo, e é também um músico amador. Curiosamente, se na banda desenhada (na América diz-se comics ou comix) ele foi um revolucionário e um irreverente, os seus gostos musicais são bastante tradicionalistas, embora em boa verdade eu não tenha nada a apontar-lhe: gosta do velho Jazz, e falo do Jazz de New Orleans, dos blues, de folk e rock (do tempo em que os músicos de rock sabiam tocar, e nada de modernices). Os que estiveram na minha exposição (Hot Club 2021 e depois Festival de Jazz do Barreiro e Funchal Jazz 2022) talvez se recordem de um livrinho de retratos/ caricaturas de lendas da música de Robert Crumb de que eu falei e que dava pelo nome de «R. Crumb´s Heroes of Blues, Jazz & Country».

Este «Blues», tradução brasileira para «R. Crumb Draws the Blues» é uma reunião de histórias e desenhos de desde os anos 70 até ao início do milénio, publicados por todo o lado, sob o tema dos Blues. Tem um pouco de tudo, entre pequenas biografias de bluesmen a histórias rocambolescas, de caricaturas a desvarios de «rabos e mamas» típicos de Crumb, de alucinações psicadélicas a anedotas, cartazes e ilustrações diversas, e ainda aparições de Janis Joplin, B.B. King ou Jelly Roll Morton, «Keep on Truckin’» e «Mr. Natural»; acompanhando, também do ponto de vista estilístico, a evolução, e experiências gráficas do mestre.                 

O Crumb é inqualificável e, mesmo se faltará (essa) unidade estilística à obra, «Blues» é exemplar da sua paixão pela música, da sua irreverência e originalidade e, enfim, da sua arte maior.

Comprei não sei já onde, esta edição brasileira, que tem aquele problemazito da língua, mas que está muito bem cuidada graficamente, capa dura, papel mate, preto e branco e cores, respeitando o original. Vale o peso em ouro.

Blues, Robert Crumb, Veneta (São Paulo), 2021

Pannonica

 




A história da Baronesa Kathleen Annie Pannonica de Koenigswarter (nascida Rothschild) e a sua relação com o Jazz é conhecida. Foi em casa dela que Charlie Parker morreu e foi a casa dela que a mulher de Thelonious Monk foi levar o pianista quando a sua vida em família se tornou insuportável, e o número de músicos que por sua casa passaram é infindo. A história e as histórias da Baronesa, a protectora dos músicos de Jazz, tornaram-na lendária. 

Assolado pela demência e pelas drogas, Monk encontrou em casa da Baronesa o carinho que a vida lhe negava, e ele dedicou-lhe duas composições que se tornaram standards do Jazz: «Pannonica» e «Ba-Lue Bolivar Ba-Lues-Are» (este último refere-se a um dos hotéis nova-iorquinos onde Nica viveu por largos anos, o Bolivar); mas outros músicos eternizaram o nome da Baronesa da forma que sabiam: Horace Silver escreveu «Nica’s Dream», Gigi Gryce «Nica’s Tempo», Freddie Redd «Nica Steps Out», Sonny Clark escreveu «Nica» e Kenny Drew’s escreveu «Blues for Nica».

A relação de Pannonica com o Jazz é pois conhecida, mas muitos ignorarão que essa paixão remonta à sua juventude, nos anos 30, e ela se cruzou com Django Reinhardt e outros músicos ainda antes da guerra, em França, ou que se recusou relegar-se ao «papel das mulheres» como a sociedade e o marido lhe exigiam, e participou na II Guerra Mundial activamente, no norte de África, contra o nazismo.   

A vida da Baronesa do Jazz é contada na «novela gráfica» de editada em 2020 e é uma magnífica homenagem a uma mulher singular.  

A edição que eu tenho é a terceira, de 2022, na língua francesa original, 160 pgs, e foi-me oferecida pelo meu amigo João Pedro (um grande abraço, João Pedro!). Pode ser que tenham a sorte de vos calhar um exemplar no sapatinho. Candidatem-se.

La Baronne du Jazz, Stéphane Tamaillon e Priscilla Horviller, Steinkis, 2020

domingo, 1 de dezembro de 2024

Miles Davis e Juliette Gréco

Miles en Paris, tradução espanhola do original francês Miles et Juliette, conta a história da passagem de Miles Davis por Paris naquela primavera de 1949, e o seu encontro com Juliette Gréco. 

É uma história romanceada, a partir do pouco que se sabe, e que é apenas que naquela semana Miles e Julliette se envolveram, e que Miles Davis regressou a New York.

A história possui todos os ingredientes para estimular a imaginação, e o pouco que se sabe contribui (por ser pouco): Juliette era uma mulher jovem e lindíssima, cantava e escrevia poesia e possuía o charme e a rebeldia das parisienses, e Miles era um jovem irreverente negro norte-americano, uma celebridade já, no mundo Jazz, apesar da idade. A atracção dos opostos terá tido a força da fatalidade e eles apaixonaram-se perdidamente, assim se conta. 

Nessa semana Miles Davis conheceu Boris Vian, Jean Paul Sartre, Pablo Picasso, Albert Camus, Simone de Beauvoir, Tristan Tzara, you name it, apaixonou-se e viveu dias de verdadeira liberdade. Em Paris não havia restaurantes nem hotéis só para brancos e toda a gente o reconhecia como um grande músico e uma personalidade, podia passear-se com uma mulher branca sem ser incomodado e podia até ir para a cama com ela! 

Conta-se que Miles percorreu Paris acompanhado de Boris Vian ou a bela francesa e viveu dias que terão sido inesquecíveis. O que é que o levou a regressar a New York depois de num primeiro momento ter pensado em ficar em Paris (como ficou Kenny Clarke, por exemplo), ou até a impedir a apaixonada Juliette Gréco de o acompanhar, eles nunca contaram.  

Podemos especular que Miles tinha ambições (que se goraram no regresso a New York: o «Bird of the Cool» esperaria uma década para ver a luz do dia), ou tinha mulher e filhos, mesmo se ele não fosse propriamente um modelo de marido ou pai, ou porque ele não tinha nada para oferecer à jovem rebelde e, pelo contrário, ele tinha a noção de que ela não seria bem aceite.  Miles e Juliette reencontraram-se duas ou três vezes ao longo da vida, mas a sua historia ficou sempre entre eles.

A história que Salva Rubio e Sagar contam é que eles viveram um amor tórrido, e que desesperadamente se separaram, mas nunca se esqueceram, e essa é a história bonita e triste que interessa. 

Salva Rubio, o argumentista, é também historiador, e fez questão de cruzar a informação disponível, entre a biografia de Miles de Ian Carr, os documentários de Ken Burns e os escritos de Boris Vian. A história é construída a partir daí, mesmo se ele assume que se trata de uma história ficcionada: afinal Miles e Juliette nunca contaram o que é que aconteceu. As lendas vivem destas coisas.

A graphic novel é completada com um dossier de mais de uma dezena de páginas que ajuda a situar a história do ponto de visa musical e histórico, e uma playlist de 64 temas, um por cada página. Desenho a fugir ao descritivo e ao bonito, com cores fortes e sombrias, e algumas singularidades de nota.  

Como eu começo por dizer, Miles en Paris é a versão espanhola de Miles et Juliete (que é a que eu devia ter comprado). Norma Editoral

Argumento: Salva Rubio
Desenho: Sagar




sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Balões e volumes


O post sobre o Desculpa, Formosa Márcia já andava por aí perdido no meu portátil há um ano, à espera de qualquer coisa de que não me recordo o quê, e só me lembrei dele quando li o Folia de Reis que comprei no Amadora BD deste ano.  Bom, já está.

Agora o Folia de Reis. O livro anda meio desaparecido na bibliografia de Quintanilha, mas merece referência. Do que eu percebo, é de 2019, anterior ao Márcia, e dir-se-ia um livro de «transição», do ponto de vista estilístico. 

Eu referi a capacidade de nos surpreender de Quintanilha, de mudar de estilo a cada livro e a cada história, e este livro surpreendeu-me, de novo. 

Ele não tem, do ponto de vista da história, a dimensão, quase graphic novel, do Márcia, e ele regressa até à forma que lhe conhecíamos de histórias curtas, retratos crus da realidade do Brasil da favela, que começam e acabam ali.

Folia de Reis, a história, não tem pois a dimensão épica de Desculpa, Formosa Márcia, mas dois aspectos me merecem a referência: alguns elementos no desenho, em especial o «volume» que ele oferece às figuras, e os balões como elementos discursivos.

Nunca é um desenho bonito, elas são histórias dramáticas e simples de pessoas simples que o desenho quer transmitir, e o desenho é rude, não no artifício, mas na deselegância, para utilizar um eufemismo. Mas os personagens não cabem nos quadrinhos, ou os quadrinhos os cortam, e os balões dos diálogos sobrepõem-se às figuras com frequência, entrando quadros adentro. Mas aqui, outra novidade, as figuras, carregadas do castanho da pele e do cinzento sombrio do drama, têm volume, e isso raramente tinha sido feito. Elas têm uma tridimensionalidade que me lembrou a forma única do Tanino Liberatore (Ranxerox), e que ele manuseia de forma singular (violenta em Liberatore, rude em Quintanilha).

Mas há ainda outro aspecto de que já falei, e que me merece a observação, que são os diálogos, ou mais propriamente os balões, que fazem também parte da narrativa, atropelando-se por vezes, impondo-se por vezes por cima do desenho, crescendo ou sumindo ao sabor da história. Balões pontudos, premeditadamente feios e deselegantes, uma vez mais, construindo-se eles mesmos como elementos da narrativa.

Obra singular da BD brasileira, singular em Quintanilha também, Folia de Reis não tem a beleza da história de Escuta, Formosa Márcia, e diria que lhe noto alguma insegurança estilística, mas do ponto de vista do desenho e da construção narrativa, ela é um uma obra única.



 

A ternura em Quintanilha



Uma das coisas surpreendentes em Marcello Quintanilha é a sua capacidade de nos surpreender em cada novo livro.

Tendo-nos surpreendido nos primeiros livros por um estilo herdado do underground dos anos 70, negro e violento, quase ilegível por vezes, ele mudou a forma em cada livro e em «Escuta, formosa Márcia» ele volta a surpreender, numa forma colorida sem contorno, de cores pastel, numa história também ela surpreendente de bonita e sensível, mesmo se os personagens são habitantes da favela e vivem num quotidiano assolado pela violência e vulgaridade do Rio.

Diferente dos primeiros livros também, quase sem diálogos, em «Escuta, formosa Márcia» os diálogos são necessários, «intrometem-se» e fazem parte da narrativa. O livro conta a história vulgar de Márcia, uma enfermeira mãe solteira em conflito com a filha, a «insubordinada Jaqueline», envolvida no submundo do crime organizado das drogas do Rio de Janeiro.

É um drama que Quintanilha nos conta, numa forma crua e descontida, através de um calão por vezes incompreensível para um português, que se adoça no amor de Márcia por Aluísio, o padrasto de Jaqueline; um amor altruísta e redentor. Maravilhoso.

Uma belíssima edição da Polvo. Cinco estrelas.

 


quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Presentes de Natal

Este ano tenho sugestões de prendas de natal literárias. E sem delongas, aqui vão elas. 

Mas é Bonito, Geoff Dyer

A minha primeira recomendação é, como propus em JazzLogical, o livro de Geoff Dyer, Mas é Bonito, que já foi aqui objecto de um post antigo, de 2014.
O livro, editado pela Quetzal, pode ter de ser encomendado em virtude da edição ter quase dez anos. Mas ele está disponível na editora, é belíssimo e é um excelente presente.

Relógio de Cuco/ A Caça, Virgílio Martinho

A Companhia da Ilhas tem vindo a editar toda a obra de Virgílio Martinho. Depois de Festa Pública/ Orlando em Tríptico e Aventuras/ Rainhas Cláudias ao Domingo em 2012, e de O Grande Cidadão em 2022, eis que renasce em todo o seu esplendor o Relógio de Cuco, aqui acompanhado de A Caça
Eu descobri o Virgílio Martinho com 18 anos, e se algo tenho a dizer é que pouco escritores conheço com este dom de escrita como o Virgílio. Uma escrita elegante, total, do ponto de vista vocabular ou gramatical, erudita e prosaica, poética, dramática e humorada, escorreita, ritmada, que apetece devorar. Surrealista às vezes e neo-realista culto, ou pelo contrário, Virgílio merece, precisa, ser redescoberto.
As duas histórias são bem diferentes: mais poética e intimista O Relógio de Cuco (por ele foi acusado de neo-realista); divertida e surpreendente A Caça. Acreditem: já não se escreve assim. O livro tem um prefácio de Vítor Silva Tavares, editor da & etc e outro monstro das letras, num texto delicioso publicado em 1995.
 Embora a edição seja recente pode ser mais difícil encontra-la. Nada como pedir à Companhia das Ilhas. 


Santa-Bárbara Capista de Zeca, Abel Soares da Rosa

A minha quarta sugestão é um curioso livro sobre as capas dos discos de José Afonso, profusamente ilustrado, e com as histórias em torno das capas de Santa-Bábara, o capista do Zeca. E assim se chama – Santa-Bárbara Capista de Zeca - a belíssima recolha de Abel Soares da Rosa, com edição da Lusitanian. 




Andanças do Demónio, Jorge de Sena

Andanças do Demónio, recolha de histórias entre os anos 40 e 60 do século passado, é a estreia de Jorge de Sena no domínio da ficção. Histórias fantásticas, demoníacas ou extraordinariamente comezinhas, o livro revela um Jorge de Sena menos conhecido, mas também a sua pena luxuriante, aqui ao serviço da imaginação: «O demónio destas andanças em forma de conto não está em mim, está no mundo (e, com funda pena o digo, não viaja para fora de Portugal, como tanto conviria).» Edição Guerra e Paz.


 
Música negra, Leroi Jones (Amiri Baraka)

 Música negra, de Leroi Jones (Amiri Baraka) é uma recolha de textos publicados nos anos 60, dispersos por revistas da especialidade, tardiamente chegado ao nosso convívio. É um livro datado, mas que ajuda a compreender o fenómeno free-jazz e a influência que ele teve nos nossos divulgadores desse período. Radical nas propostas, a edição contempla um texto mais recente em que o autor admite o excesso dos textos antigos, mesmo reafirmando a sua razão de ser. Prefácio de Kalaf. Edição Orfeu Negro. 





Crónicas de Lisboa, Ferreira Fernandes e Nuno Saraiva

Crónicas de Lisboa é uma banda desenhada sobre Lisboa, nascida a partir de uma conversa com Catarina Carvalho, directora do jornal Mensagem de Lisboa. Com argumento delirante de Ferreira Fernandes e o desenho desbragado de Nuno Saraiva, Lisboa e os lisboetas que a fazem contam as suas histórias ou os autores lhas roubam, e por elas passam a Júlia Florista, o Carlos do Carmo, a Madame Brouillard, a Caparica, o Santo António, como a Catarina Carvalho anuncia logo no prefácio, mas ali entram o Benfica, o clube e o bairro, o Rei Leão Peyroteo, o 25 de Abril, os fascistas e os comunistas, o Rossio e o D. Pedro, o Imperador do Brasil e Rei de Portugal, a Brasileira e o Bartolomeu de Gusmão, o Almirante Reis e o Marquês de Pombal, Josephine Baker e a Dona Maria II, o rock, o fado e os olissipógrafos. Um desvario com edição da Asa.



Histórias de Jazz

E as minhas propostas completam-se enfim, com toda a lata, com as minhas Histórias de Jazz, de que não vale a pena falar mais, até porque delas falei aqui mesmo na semana passada.
Edição da Guerra e Paz.





E tenham um bom Natal, dingalingaling!



domingo, 3 de dezembro de 2023

Tintin 77 anos

 

O Tintin, a revista dos jovens dos 7 aos 77 anos faz, faria, 77 anos, e a Le Lombard publicou uma
volumosa edição comemorativa. 400 páginas de evocação e aventura, onde os jovens da minha idade encontrarão nostalgia, mas também algum desencanto. Muitos dos desenhadores já desapareceram, mas também a juventude é irrepetível, mas também muitas das histórias não poderiam ser escritas (e desenhadas) hoje – e enfim percebe-se porque é que a revista terminou. Muito do mundo selvagem que se imaginava – as utopias - desapareceu, por motivos políticos (e na altura viviam-se os restos dos colonialismos), ou porque foram assolados pelo turismo que chegou a todo o lado, ou porque hoje compreendemos que não podemos andar a matar indiscriminadamente animais selvagens; aliás queremos protegê-los; ou porque compreendemos que os índios da Amazónia ou de África têm direito aos seus territórios e nós não somos os inocentes aventureiros que gostávamo-nos de nos pintar. Enfim, nada é simples neste mundo em que vivemos, mas o mundo mudou e hoje sabemos.

Mas esta edição pretende apenas celebrar a nossa juventude e a nossa inocência, e ela está cheia de depoimentos e histórias curiosas desse tempo e de banda desenhada também; de histórias recriadas como foi possível.  

Uma edição para colecionadores nostálgicos.

terça-feira, 29 de março de 2022

Exposição «O Jazz na Banda Desenhada»

 

Exposição «O Jazz na Banda Desenhada»
Hot Club de Portugal
16 Setembro 2021 a 31 Março 2022

Todos os amantes do Jazz viram o "Cotton Club" de Francis Ford Coppola, o "Bird" de Clint Eastwood ou o "Round Midnight" de Bertrand Tavernier.

Da mesma forma eles sabem que o Jazz atravessa o "On The Road" de Jack Kerouac e Charlie Parker é o protagonista de “O Perseguidor” de Julio Cortazar.

O que menos saberão é que alguns dos mais talentosos autores de BD eram também amantes de Jazz e levaram o Jazz para as suas histórias. Will Eisner, o autor de Spirit, desenhou histórias com Jazz nos anos 40, mas também o Guido Crepax das histórias eróticas de Valentina desenhou o Jazz do Harlem e o Sergio Toppi das histórias fantásticas das Mil e Uma Noites desenhou o Blues.
Da mesma forma os cartunistas Cabu e Siné e os autores underground Robert Crumb e Harvey Pekar eram apaixonados pelo Jazz e levaram o Jazz para as suas pranchas.

E é isso que se pode encontrar na exposição “O Jazz na Banda Desenhada”: o bebop e o blues, Thelonious Monk, Billie Holiday e Charlie Parker, Nova York e o Harlem, o humor e os cartoons do Jazz; em histórias e ilustrações assinados por mais de trinta notáveis autores.

Exposição “O Jazz na Banda Desenhada"

Curadoria de Leonel Santos

Hot Club de Portugal

 

Alguns dos visitantes da exposição indagaram-se sobre a existência no mercado dos álbuns de onde foram retiradas as pranchas expostas.

Aqui vai o que sei:

Cabu in Jazz, Cabu – Não existe em Portugal, mas pode ser adquirido na internet.

Siné Jazzmaniaque, Siné – Idem.

Spirit, Will Eisner, 1943 e 1947 – Peças de colecionador, difíceis de encontrar.

R. Crumb´s Heroes of Blues, Jazz & Country – Adquiri-o em Portugal, e é possível encontrá-lo na internet.

Billie Holiday, Muñoz & Sampayo – Editado em Portugal recentemente.

Nos Bares, Muñoz & Sampayo – Editado em Portugal em 2003.

L´Homme à L’Affût, Julio Cortázar ilustré par Jose Muñoz – Pode ser adquirido na internet.

José Muñoz - Cidade, Jazz da Solidão – Editado em Portugal em 1994. Difícil de encontrar.

Antologia Española del Underground, El Víbora (Antonio Pamies e outros) – Editado em 1981, difícil de encontrar.

JazzBanda 1 e 2 – Foram editados apenas 300 exemplares em 2005 e 2006. Difíceis de encontrar.

Monk!, Youssef Daoudi – Fácil de encontrar na internet. Obrigatório!

Blues, Toppi – Adquiri-o no Amadora BD de há três anos e está disponível na Internet.

L’Homme de Harlem, Guido Crepax – Com as últimas edições internacionais nos anos 80, difícil de encontrar. Talvez em 2ª mão…

A pior banda do mundo, José Carlos Fernandes – Edição de 2 volumes, disponível no mercado nacional. Atenção ao Amadora BD em Outubro.

O Diabo e Eu, Alcimar Frazão – Editado em Portugal, disponível nas livrarias especializadas (e provavelmente também no Amadora BD)

L’improvisateur, Sualzo – Talvez possa ser encontrado nas livrarias especializadas e disponível na internet.

Hate Jazz, Jorge Gonzàlez e Horacio Altuna – Idem.

Barney et la Note Bleue, Loustal & Paringaux – Idem. Também existe uma edição de luxo contendo ainda o LP original, um CD de extras, um livro de fotos e liner notes.

Best of American Splendor, Harvey Pekar e outros – Disponível na Internet (se procurarem bem).

BD Jazz colecção – Os 12 volumes nacionais podem ser encontrados em diversas livrarias e alfarrabistas, e os restantes 50 editados em França, na internet. )


segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Avant La Lettre


A primeira imagem que me veio à cabeça quando escrevi o post anterior (Abalroado) foi o piano selvagem do Fred. Creio que perceberão porquê.

Para quem não saiba, o Fred (1931 – 2013), foi um dos seus mais criativos autores da BD, da escola franco-belga, com um lugar de relevo na História da BD.
O Le Piano Sauvage foi o segundo álbum publicado das aventuras do jovem Philemon (e do burro Anatole, do incrédulo Hector, o pai, o tio Félicien - o dono da luneta -, e todos os outros personagens fantásticos), logo a seguir ao  Le Naufragé du "A".

As aventuras de Philemon decorrem nas letras do Oceano Atlântico de um globo terrestre, para onde o jovem é enviado através da luneta invertida do tio.
Não vos conto mais mas, quem tiver curiosidade, nada como espreitar (já que os livros não existem no mercado nacional) aqui, na revista Pilote de 1968, onde Le Piano Sauvage foi originariamente publicado.


Muito pouco foi publicado (ou distribuído) em Portugal do Fred mas, no final de Dezembro, encontrei por cá (eu não conhecia) o Avant La Lettre que, embora publicado bastante mais tarde, se pretende situar como o livro 0 da colecção (antes pois do Le Naufragé du "A").  
O desenho não teria atingido ainda a sua forma acabada, mas em tudo mais é o mesmo universo delirante, o mesmo irredutível surrealismo.
É um Fred, e para um Fred nada menos que cinco estrelas.
E foi a minha prenda de natal. 



Avant La Lettre, Fred, 1978 (reedição de 2013)



sexta-feira, 10 de novembro de 2017

O Astrágalo







Uma história de amor, dramática e sofrida, belíssima, servida por um preto e branco rude.
A partir do romance autobiográfico de Albertine Sarrazin.


Autores: Anne-Caroline Pandolfo e Terkel Risbjerk
Edição: G. Floy

Amadora BD 2018


Os ignorantes








Dois ignorantes: um vinicultor e um autor de banda desenhada aprendem sobre vinho e BD.
Desenho e narrativa clássicos.
Instrutivo, divertido, excelente! 

Étienne Davodeau
Edição: Levoir

Prémio Amadora BD 2018

Contar o mundo


 Contar o mundo
A reportagem em banda desenhada
Amadora BD 2018
Comissária: Sara Figueiredo Costa

Will Eisner





1917 - 2005

  O espírito de Will Eisner
Amadora BD 2018
Co-comissários: Denis Kitchen e John Lind

Jack Kirby


 1917 - 1994

 100 anos de um visionário

Amadora BD
Comissário: Mário Freitas

Amadora BD 2017




Exposições dedicadas a Nuno Saraiva, Jack Kirby, Will Eisner, Reportagem BD e muito mais. 

Júri dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada:
Nelson Dona (diretor do festival), Sandy Gageiro, Nuno Saraiva, Pedro Moura e Leonel Santos.

Amadora BD 2017: 27 de Outubro a 12 de Novembro  

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Valerian and the City of a Thousand Planets





Um dos heróis mais bem sucedidos da escola franco belga dos anos 60-70 (Tintin/ Spirou/

Pilote), Valerian chega ao cinema muito tarde, e muitos espectadores mais jovens poderão ser levados a pensar que as aventuras do agente espácio-temporal são inspiradas na Guerra das Estrelas ou na Marvel.
Valerian surge como uma espécie de resposta francesa aos filmes de super-heróis ou de aventuras espaciais americanos, mas a verdade é que, conhecendo a BD, muitos dos monstrinhos da Guerra das Estrelas parecem ter sido retirados dele.  
Paternidades à parte, as aventuras de Valerian e Laureline perderam muito da magia (porque aquilo nunca foi verdadeiramente ficção científica, convenhamos) e do romantismo da BD original e Luc Besson - o realizador escolhido,  experiente nestas coisas de efeitos especiais - acrescentou umas cenas de perseguição e porrada para agradar o público mais jovem, e não se saiu mal de todo, dados os constrangimentos (que obrigaram também a que o filme fosse falado em inglês); conseguindo mesmo alguns bons momentos, como as dimensões que atravessavam o mercado negro, o casamento de Laureline (porrada à parte), ou o show da Rihanna, sendo de lamentar as tão curtas aparições de Herbie Hancock. Excelente é o monstrinho que caga pérolas e outros preciosidades, e os três impagáveis shingouz, mas esses são mesmo originais de Mezieres e Christin.
Não estava à espera de um grande filme e diverti-me. Fico à espera do próximo. 

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Terra de sonhos




1.ª história.
Um homem e uma mulher tinham um cão. O cão estava velho e doente. Eles procuraram de todas as formas oferecer um resto de vida digna ao cão. O cão nunca mais morria. Morreu.

2.ª história.
Ofereceram uma gata persa ao mesmo casal da história anterior. A gata estava grávida e teve três ou quatro gatinhos (a história baralha-se algures). A gata é burra e não trata dos filhos. Os donos têm que intervir e finalmente ela adopta-os. Felicidade.

3.ª história.
Enquanto os gatinhos crescem encontram uma vizinha que tinha um cão velho como o que tinha sido deles. O cão foge e depois é encontrado. Depois morre. Conseguem dar um dos gatinhos, mas resolvem ficar com os outros dois mais a mãe.

4.ª história.
A sobrinha da mulher, com doze anos, apareceu lá em casa, porque a mãe, viúva, resolveu casar de novo. Durante dois meses a miúda fica lá em casa e o tio joga basebol com ela. No fim ela regressa a casa, a mãe casa-se e o padrasto joga basebol com ela.  

5.ª história.
Dois amigos subiram ao Evereste. Tomaram um ácido qualquer (ou foi do ar rarefeito) e viram um tigre a 6000 metros de altura. Não conseguiram chegar ao topo e um deles morreu. O sobrevivente regressou, casou-se e teve um filho. A pedrada do alpinismo não lhe tinha passado e ele gastou o dinheiro todo da família para regressar aos Himalaias. Conseguiu chegar ao topo da montanha com um sherpa, voltou a ver o tigre e despediu-se do amigo.
.

Nem todas as histórias têm de ser grande histórias e algumas das melhores histórias da literatura (ou do cinema, ou da banda desenhada) são pequenas histórias de felicidade ou de tristeza do dia a dia, e o que o Jira Taniguchi escolheu contar cinco histórias banais. Mas quantas vezes pequenas histórias do quotidiano se tornaram grandes histórias pela arte do narrador? – Não é o caso. O estilo manga – aqueles rostos e aqueles olhos esbugalhados sempre iguais -, do autor, excessivamente realista e simples, não introduz qualquer dramatismo, ou sequer interesse, à história.  


Terra de Sonhos, Jiro Taniguchi, Novela Gráfica II, Público/ Levoir 2016