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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Uma aventura com o meu filho (5)




Vila Nova de Foz Côa é uma terra triste. Envelhecida, mal envelhecida, acusa todos os males da desertificação e da emigração forçada, e não parece ser capaz de valorizar o pouco (muito) que tem. Foz Côa não tem oferta de hotelaria ou de restauração, e o município está tão pouco preparado para o turismo quanto os habitantes. Um hotel, uma hospedaria, um albergue de juventude e algumas casas de turismo rural nas redondezas e um único restaurante – a primar pela vulgaridade - no centro e alguns outros dispersos, com horários estranhos. A vila está degradada, revelando um desleixo que não se compreende, com um pequeno núcleo histórico mal tratado. Pode apontar-se a pobreza da região ou a falta de dinheiro para recuperar as casas velhas atingidas pelos males do tempo ou da emigração, mas tudo o que se revela em Foz Côa do inqualificável espólio pré-histórico, são uns candeeiros de gosto duvidoso. Dir-me-ão que é uma observação injusta e que eu não conheço a real situação financeira da vila, mas esta é a observação que um forasteiro pode fazer. Mas porque é que o posto de turismo fecha às 17.30 no pico do turismo? - Vila Nova de Foz Côa ignora as gravuras e quase toda a pouca oferta turística é deixada para o investimento exterior.

É difícil comer em Foz Côa. Dir-me-ão que não existem restaurantes porque não existe procura no resto do ano, mas eu não compreendo como os poucos tascos abertos apenas têm para oferecer cerveja, café e batatas fritas de pacote. Qual é o investimento necessário para ter pão, presunto e queijo? Em qualquer ignota aldeia espanhola é possível picar das oito da manhã às duas da madrugada (com excepção para a hora da siesta), mas em Foz Côa a pouca oferta resume-se a uns poucos restaurantes com cadeiras e mesas feias - de plástico e oferecidas por uma qualquer marca de cerveja -, com horários rígidos e pratos de secretos e hambúrgueres, com fecho semanal no único mês do ano em que têm clientes. Produtos locais, horários generosos, uns simples petisquitos: nada! E lamentam-se!

A oferta de camas é ridícula, obrigando à realização de visitas relâmpago, organizadas a partir de empresários exteriores: o único sítio para dormir que encontrámos foi um último quarto no albergue de juventude! – É a pescadinha de rabo na boca: não existe oferta porque não há procura e não há procura (ela existe, mas é deixada para o exterior) porque não há oferta.

Não existem empresários locais com discernimento para investir no turismo local, e a edilidade não quer saber do turismo da cultura para nada e o pouco de animação que existe na região parece resumir-se às festas religiosas que se centraram todas no mês de Agosto, com procissão, folclore, bandas pimba e bailaricos. Não estava propriamente à espera de concertos de Jazz ou de música clássica, mas parece-me que quando se promove a indigência, a indigência tem tendência para prevalecer. 

Vila Nova de Foz Côa não é uma vila agradável de visitar. Vila Nova de Foz Côa não gosta das gravuras pré-históricas. Não aconselho as grandes excursões, porque a visita às gravuras e ao museu merecem uma observação demorada e atenta, mas a reserva prévia de dormida e um farnel parecem-me avisados.

À procura das ruínas do acampamento romano fomos parar a Allariz, uma cidade galega de que creio nunca ter ouvido falar antes. Cidade pequena, de património granítico valorizado, com imensa vida e turismo eficiente. Não vale a pena descrever-vos o que é um fim de tarde no centro da cidade (uma qualquer localidade espanhola, seja galega, andaluz ou catalã – e deve ser provavelmente o que os une), com toda a gente a beber e a petiscar na rua, mas há uma vida e um entusiasmo naquela peculiar forma de viver – de estar - que contrasta com o nosso.

Depois o contraste prolonga-se por tudo. De Vila Real a Chaves fomos pela autoestrada – a pagar, claro -, e entrámos em Espanha por uma muito boa estrada que se dirigia a Orense – grátis, claro. Descemos de umas ruínas romanas num pequeno aglomerado de casas, mas com um museu dedicado às ruínas, por uma estrada terciária, mas cuidada e sinalizada, para entrar em Portugal por um caminho de cabras. O contraste é de gargalhada. Uns quilómetros abaixo localiza-se o misterioso mosteiro de Pitões de Júnias. À entrada, um grande cartaz avisa os visitantes do risco de ruir das pedras seculares (anteriores à nacionalidade) do mosteiro…

Uma aventura com o meu filho (3) - Gravuras rupestres do Côa




A visita às gravuras é, naturalmente, obrigatória, até porque elas são o leitmotiv do museu. A visita através do museu deve ser reservada com antecedência, mas existem alguns guias particulares acreditados, que podem conduzir os visitantes aos três núcleos autorizados do Parque Arqueológico: a Canada do Inferno, a Ribeira dos Piscos e a Penascosa. Visitámos a Canada do Inferno e a Penascosa, sendo que a visita a este último núcleo foi realizada de noite.
A visita ao núcleo da Canada do Inferno foi feita bilingue - os outros dois visitantes eram suíços franceses que também falavam inglês. Pudemos observar as gravuras de (creio que) cinco pedras de xisto, situadas perto do leito do Rio Côa ao longo de quinhentos metros, após um percurso realizado em jeep, onde estavam localizadas algumas dezenas de gravuras realizadas com técnicas diferentes – picotado e abrasão -, por diferentes autores, em tempos diferentes, tendo como motivos basicamente quatro animais: cabras, cavalos, auroques e veados. Datadas de até há 25000 anos, as gravuras são impressionantes de vida e mistério. 
A interessante visita de duas horas foi conduzida pelo informado técnico Marcos, que ajuntou informação sobre a vida natural e a história da ocupação humana do parque.
A visita a Foz Côa haveria de ser completada com uma visita nocturna às gravuras que ofuscaria a visita da manhã. Um contacto de última hora com uma outra técnica – Bárbara Carvalho –, guia e arqueóloga, levou-nos à Penascosa, um vale situado a 6 Km de Castelo Melhor, por um caminho apenas acessível de jeep e, como a Canada do Inferno, fechado ao público não autorizado.
A Penascosa é um vale fechado, com um horizonte que se situa bem acima dos nossos olhos, obstruindo qualquer poluição luminosa ou sonora. Tivemos a sorte de realizar a visita numa noite de quarto crescente, em que a Lua se pôs muito cedo, deixando ver um céu estrelado fantástico; como disse, sem qualquer poluição luminosa, o que é raro de observar para um citadino. O silêncio apenas era cortado pelo coaxar ruidoso das rãs que deixavam adivinhar o Côa a apenas alguns metros. A visita foi sempre acompanhada ainda por milhares (milhões?) de mosquitos, incomodativos mas não agressivos, morcegos e ainda aranhas (inofensivas mas aos milhares), que se revelavam à luz da lanterna da Bárbara.    
E se a observação das gravuras da Canada do Inferno nos tinha impressionado, as gravuras da Penascosa - os traços evidenciados pelas sombras produzidas pela luz artificial, que permitiam de forma mais eficiente diferençar os traços -, transportaram-nos para um passado longínquo e misterioso: o princípio da arte, rituais anímicos, a beleza primordial, o enigmático insolúvel da vida dos nossos antepassados.       
É óbvio que o cenário nocturno – o que não se podia ver -, o firmamento estrelado, o silêncio insistente das rãs, a natureza agreste, em muito contribuiu para o deslumbramento que experimentámos. A isto acresceu a informação apaixonada da nossa guia, interrogando, sugerindo, revelando, e eu diria que – também graças a ela - a visita se tornou numa outra experiência verdadeiramente reveladora.
 E creio que em ambos os casos a visita deve ser efectuada em pequenos grupos e com informação e condução avisada, sob o risco de se perder o essencial. 
 

Uma aventura com o meu filho (1)




Finalmente (!) visitei as gravuras rupestres do Côa. A ideia surgiu de um convite do meu filho para umas mini-férias culturais, a partir do seu o interesse em visitar alguns museus do norte. 

Umas férias com o meu filho são uma aventura. Não é por ser meu filho, ou também é, mas com um jovem entusiasmado, curioso e informado, qualquer passeio é outra coisa: há sempre umas ruínas a visitar, umas pedras que lhe sugerem coisa, um edifício escondido, um castro que se revela, uma casa que uma albufeira submergiu, um mosteiro inacessível, uma localidade perdida que é preciso encontrar.

Quase seis dias, mil e seiscentos quilómetros, três museus, as gravuras de Foz Coa, várias localidades, ruínas, casas e mosteiros, com alojamentos em albergues de juventude ou em parques de campismo, estas férias foram verdadeiramente memoráveis. Não vos quero aborrecer com os detalhes, mas gostava de comunicar aos meus amigos e seguidores deste blog o meu entusiasmo por alguns dos objectos visitados – basicamente sobre dois dos museus visitados e as gravuras do Côa -, a que ajuntarei alguns curtos comentários sobre algumas das localidades visitadas.


Itinerário resumido:

1º dia: Lisboa – Foz Coa

2.º dia: Foz Coa (museu e gravuras), Castelo Velho de Freixo de Numão

3.º dia: Foz Coa - Castelo Melhor, Praia Fluvial do Sabor, São João da Pesqueira, Capela da Sra do Rosário, Barragem da Valeira, Foz do Tua, Sabrosa, Vila Real

4.º dia: São Martinho de Anta (Museu Miguel Torga), Chaves (Museu Nadir Afonso), Allariz

5.º dia: Allariz – Aquis Querquennis (acampamento romano), Pitões das Júnias (mosteiro), Lousã

6.º dia: Góis – Lisboa