sábado, 22 de fevereiro de 2014

Lágrimas e Suspiros



 

Lágrimas e Suspiros foi o primeiro filme que vi do Ingmar Bergman, há muitos anos, na sala do Apolo 70. O vermelho a encher a tela marcou-me a memória para sempre, e fez de Bergman um dos meus realizadores de eleição, desde logo ali.

Revi o Lágrimas e Suspiros agora, no ciclo do Nimas, e confirmei a minha nomeação:
Lágrimas e Suspiros é um filme enorme, só suplantado (em Bergman) por Persona.

A história das quatro mulheres – três irmãs e uma criada (magnífica a representação de Harriet Andersson, Kari Sylwan, Ingrid Thulin e Liv Ullmann) – reunidas numa casa, enquanto uma delas se esvai atormentada pela doença: a verdade para além das aparências, quatro mulheres em conflito, quatro personalidades e momentos dissecados ao osso. 
Lágrimas e Suspiros não é apenas um «drama psicológico» ou «uma reflexão sobre a morte», como li, mas também um exercício estético - de cinema - singular: os vermelhos e brancos em contraste e a morte e a ressurreição de Agnès ficariam para a História do Cinema.

Como escrevi para Persona: trata-se de cinema como forma de arte autónoma como poucos realizadores ousaram. Trata-se do Grande Cinema, pelas mãos de um cineasta genial.



Lamentavelmente a cópia que passou no Nimas acusa a degradação do tempo: os vermelhos são quase laranjas e a imagem parece por vezes desfazer-se. 
Assim não.

Lágrimas e Suspiros, Ingmar Bergman, 1972

Exercícios perdidos


Por falar em livros perdidos, descobri que também me desapareceu o
Exercícios de Estilo do Luiz Pacheco. Estou furioso, até porque era já uma segunda compra. Já andei nos alfarrabistas, mas descobri que não sou o único. Um deles pediu-me 50€ por uma edição coçada: que era um livro raro e tal e tal. Mandei-o bugiar, claro.  
Pode ser que um dos filhos do Pacheco ou alguém, o reedite.
Entretanto, apelo aos actuais possuidores dos meus livros, a quem obviamente emprestei, o favor de mo devolverem, porque me faz imensa falta.
Obrigado.

Os passos em volta

-Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio...
Começava assim a primeira história que li do Herberto Helder, há quarenta anos, retirada de Os Passos em Volta.
O deslumbramento foi partilhado com o Carlos Farinha (onde andará?) numa livraria da Rua do Ouro que já não existe. Livraria moderna, para a altura, podíamos vasculhar e ler sem afogos, e por lá descobri também o Exercícios de Estilo do Pacheco e sei lá que mais livros, bds e discos. Já não existe.
Pois sucedeu que o livro me desapareceu há muitos anos e me vi privado de o ler. O homem proibiu a sua reedição por muitos anos mas, vá-se lá saber porquê (hum, falta de dinheiro, talvez), mudou de ideias o ano passado.  
São vinte e tal histórias – terríveis, extraordinárias – contadas pelo mais obscuro poeta, que reli com o mesmo deslumbramento do descobrimento, e que guardo agora na estante com um garfo por cima: se apanho alguém a levar-mo, espeto-lhe o dito na mãozinha surripa.


Os passos em volta, Herberto Helder

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Vitor Silva Tavares Para já para já

O Vitor Silva Tavares é um daqueles tipos que me irritam. 
Editor da &etc, dedicou a sua vida a publicar as coisas dos outros e dedicou muito pouco do seu tempo a escrever, que é uma coisa que ele faz maravilhosamente.
Conheci-o (aos seus escritos) dos tempos da &etc (o pasquim, anos 70), que persiste como uma referência absoluta das letras e das artes em Portugal; e eu diria com a importância do que foi a Orpheu ou a Presença (não quero discutir as diferenças). Acutilante, incómoda, interventiva, graficamente deslumbrante, merecia ser redescoberta por todos os que têm pretensões a fazer qualquer coisa no campo das artes.

Estive a pesquisar na Internet: a &etc foi durante 26 números (1967...) um «magazine de letras, artes e espectáculos do Jornal do Fundão» e teve vida autónoma entre 1973 e 1974: 25 números. É esta última existência que eu conheço e de que tenho a colecção encadernada (por um amigo). Por lá passaram, vejam só (recorrendo de novo à Internet): Herberto Hélder, Nuno Júdice, Pedro Oom, António Ramos Rosa, Fiama Hasse Pais Brandão, João César Monteiro e Armando Silva Carvalho, e muitos mais: um luxo!!!
Depois de 74 retomou o ofício de editor (que tinha iniciado nos anos 60 na Ulisseia), já na nova &etc, com uma colectivo Coisas, a que se seguiu, creio, Morituri Te Salutant de Joao César Monteiro, e mais umas dezenas? centenas? nos quarenta anos que se seguiram. 
No final do ano passado Paulo da Costa Domingues e a Letra Livre publicaram &etc uma editora no subterrâneo (atenção: estou quase a fazer anos!), homenagem ao editor Vitor Silva Tavares, e o lançamento teve direito a um beberete para que os organizadores tiveram o desplante de não me convidar (cá se fazem...).
Mas regressando à minha irritação: o Vitor Silva Tavares é um preguiçoso. Digam-me vocês quantos livros conhecem do rapaz; quantas coisas leram dele? E no entanto...
Passeava-me eu pela Pó dos Livros quando deparei com um livreco - vinte e tal páginas - pardacento com dois textos do dito: um primeiro - Para já para já -, de 1972, e um segundo - Contumácia-, posfácio actual, explicação humorada - muito ao seu jeito- do desaparecimento do primeiro; acrescentados de uma nota dos editores.
Que vos hei-de dizer? Que em poucas linhas se reconhece o génio da escrita do Pacheco, do Cesariny, do Virgilio Martinho ou do Pedro Oom, que citam; e compreenderão o meu desgosto e a minha irritação pela preguiça de um dos grandes escritores da língua portuguesa, mais ocupado na boémia do ofício da edição. Lamentável.    
(Parabéns, e obrigado (quand même), caro Vitor Silva Tavares)  

Para já para já, Vitor Silva Tavares, dois dias edições, 2012