O
anúncio de um fim de semana dedicado à beldroega (incluido no Ciclo Gastronómico «As Ervas
da Baronia») promovido pela Câmara do
Alvito, fez-me recordar outra das minhas grandes descobertas da gastronomia
alentejana. Pois tal aconteceu há uns dez anos n’ O Chico de São Manços.
Alguém
me tinha falado d’O Chico e a curiosidade fez-me parar em São Manços numa tarde
em que me dirigia para o Algarve.
São
Manços é uma pequena localidade situada um pouco a Sul de Évora, mesmo ao lado
da nacional 18, no sentido de Portel. Algures lá pelo meio fica O Chico (ou Xico,
como está escrito no pára-sol), restaurante sem grandes
características, e se não fosse a excelência da
comidinha, nada me faria desviar do meu caminho.
Sala
modesta pois, mas aconchegada. Assim que nos sentámos, vieram logo as
entradinhas, a que é inútil resistir: favas guisadas com paio e toucinho frito, pezinhos de coentrada, iscas grelhadas com alho e azeite,
queijos secos (de outras vezes orelha de porco em vinagre e coentros, grão com
atum, alhada de cogumelos, polvo no azeite, painhos e chouriças e outras de
ocasião).
A
minha escolha recaiu nos pezinhos, cheirosos e suculentos, e verdadeiramente poderia ter ficado por aí.
Mas tratava-se de uma entrada, um petisco, e petisco não é refeição (como diria
o RAP).
Prosseguimos
para as sopas, que lhes vínhamos recomendados. Três opções: a mais conhecida, a sopa
de cação, a sopa de beldroegas e a sopa de cardos com bacalhau. Investimos na sopa
de beldroegas.
Menosprezada
na culinária, praga, a beldroega é uma erva suculenta que tem vindo a ganhar espaço nas prateleiras dos legumes e hortaliças dos supermercados, mas que
faz parte da gastronomia do Alentejo desde sempre. O seu uso na culinária
estender-se-á às Beiras e ao Algarve, e perdoem-me os transmontanos, minhotos
ou estremenhos, mas não me recordo de aí ter alguma vez encontrado tal coisa. Em boa
verdade, não me recordo de encontrar a sopa de beldroegas como iguaria fora dos
menus dos restaurantes alentejanos.
Pois
se eu já conhecia a sopa de beldroegas (como uma mais vulgar sopa de legumes), nada me fazia suspeitar o que encontrei
na terrina que o Sr. Chico colocou na mesa: uma cabeça de alhos inteira, ovos escalfados e
um queijo de ovelha! Comida de pobre, a erva daninha era o argumento para um
festim de sabores!
Haveria
de confirmar mais tarde: esta é uma das variantes da sopa, mas estes quatro
ingredientes são quase sempre centrais na sopa, e uma delas inclui a posta de
bacalhau. Mas aqui n’O Chico a sopa de beldroegas é a sopa de queijo e ovo,
faltando apenas as inevitáveis fatias de pão velho de três dias - azedo, alentejano - no fundo do prato.
A
refeição acabou quase aqui. O final estava reservado para umas fatias de queijo de cabra e um último copo de tinto. Mas a doçaria d’O Chico é também ela
generosa, como é generosa a garrafeira.
Recordo
que o preço da sopa rondou os 8€ e bastou para três comensais. Claro que com as
entradas, o vinho e o queijinho final, a conta subiu.
A
ementa d’O Chico não se fica pelas sopas: arroz de lebre, pato com arroz,
ensopado de borrego, carne de alguidar, feijoada de caça, pezinhos de coentrada
e grelhados vários justificam a deslocação.
Voltei
ao Chico mais meia dúzia de vezes, onde repeti a sopa de beldroegas, experimentei
uma gloriosa sopa de cardos com bacalhau, o ensopado e uns grelhados de porco,
e também o fígado grelhado com azeite, alho e coentros, os cogumelos (a única
entrada dispensável: os cogumelos, de lata, estavam cozidos e não sabiam a nada) e a salada de
polvo - de truz - temperada com vinagre de vinho; que me recorde. Ficaram adiados
os pratos de caça.
Os preços n’O Chico são razoáveis, mas é necessário ter
cuidado: pode fazer-se uma boa refeição por 10€ ou passar facilmente para 25 se se atacar nas
entradas e regar com um bom vinho. Mas como resistir à orelhita com coentros, ao
fígado grelhado som azeite e alho ou ao queijo de cabra?
O Chico é um dos meus tascos de eleição, e a sopa de
beldroegas a sua rainha.
O Chico, São Manços (Évora)
Ciclo "As Ervas
da Baronia", Alvito, Vila Nova da Baronia