E a noite roda é o diário da jornalista catalã Ana Blau.
O diário tem início em 2004: Ana Blau é enviada para a
Palestina nas vésperas da morte de Yasser Arafat para fazer a cobertura da
situação em Israel e Palestina. Aí conhece Leon, um jornalista belga por quem
se apaixona, e as duas histórias cruzam-se e prolongam-se.
Com o conflito israelo-palestiniano em pano de fundo, Ana
Blau salta de Jerusalém para Barcelona, para Ramallah ou para Paris, de novo
para Jerusalém ou regressa à Catalunha. Pelo caminho conhece poetas e judeus
ortodoxos, encontra-se com jornalistas e políticos, é assaltada, assiste à
construção do muro que Israel levanta à volta dos territórios ocupados.
O jornalismo, a política e a paixão cruzam-se na primeira
pessoa, e será difícil não identificar a jornalista Ana Blau com a jornalista
Alexandra Lucas Coelho. Política e jornalismo, onde a jornalista procura
equilibrar a observação com a independência possível de alguém que assiste no
terreno à política de devastação que Israel provoca na Palestina, à agressão, à
construção do novo «muro da vergonha», ao sufoco económico dos territórios
ocupados, à metáfora viva da contenda entre o gigante Golias e o pequeno David.
E também à luta fratricida entre as facções palestinianas, a corrupção, as
pequenas misérias sociais.
E enfim a paixão dos dois amantes pelos olhos da mulher, a
descrição crua do amor que os percorre entre as estradas de montanha da
Catalunha e as camas dos hotéis para jornalistas de Jerusalém. Amor impossível,
paixão que se expõe e se alimenta no sexo e da distância.
Não sou fã da escrita telegráfica e o livro da Alexandra
Lucas Coelho começou por me aborrecer sobremaneira – confessarei mesmo que
depois da décima página apenas prossegui a leitura devido ao prémio da APE.
Jerusalém. Amo-te.
Sinto a falta do teu corpo. Ramallah. Enviei-te um email mas não me
respondeste. Jerusalém. Acordei contigo a olhar para o meu corpo nu.: a
minha caricatura nem sempre é assim tão distante e, sendo óbvio que a forma
minimalista é intencional, ela pode tornar-se aborrecida.
A partir de certa altura o diário de Ana Blau ganha fôlego
na exposição do amor carnal, muito próximo do mais lascivo de Anais Nin; pouco
vulgar, chocante na escrita feminina (ai, ai, ai, os meus tiques machistas); e
as últimas páginas, escritas em jeito de posfácio, deixam entrever literatura (ao nível da Alexandra Lucas Coelho).
O cruzamento das histórias, a vertigem e os acidentes do
percurso da catalã, a paixão, as descrições epidérmicas da paixão e do sexo e
do frenesim que consome os amantes, a política e o jornalismo, envolvem o
leitor no romance, compensam a escrita enxuta (o enxuto da escrita) e justificam a forma diário. O
minimalismo da escrita de Alexandra Lucas Coelho não me é simpático, mas ele é
deliberado e eficaz.
e a noite roda, Alexandra Lucas Coelho, Tinta da China, re-2014
Sem comentários:
Enviar um comentário