terça-feira, 24 de junho de 2014

Um tipo que gostava de Jazz



Terei conhecido o Miguel Gaspar num ciclo de conferências organizadas pelo Zé Duarte
na Fonoteca Municipal nos anos 90, onde também participei, e por essa altura ter-nos-emos cruzado no Diário de Notícias onde eu colaborava num cantinho com a minha crónica semanal de discos. Se bem me recordo, o tema da conferência do Miguel andava à volta da importância dos standards no Jazz. Depois disso o Miguel Gaspar voltou a ser convidado pelo Zé Duarte para colaborar n’O Papel do Jazz, onde escreveu sobre Paul Bley e New York e entrevistou Max Roach (com ZD).

Uns anitos mais tarde tive a lata e o gosto de lhe pedir - enquanto «director de redacção» - para escrever de borla (paguei-lhe com discos...) para a All Jazz. Pois fartou-se de escrever sobre uns discos do Charlie Haden, Abdullah Ibrahim, mais uns tantos da Jazz in Paris e ainda entrevistou a Jacinta. É possível que existam outros textos espalhados pelo DN ou pelo Público, mas é tudo quanto conheço escrito sobre Jazz do Miguel Gaspar.
O Miguel era um tipo culto, de um saber abrangente, mas não arrogante, trabalhador e profissional, o que lhe permitia escrever sobre quase tudo. 
Enfim, fomo-nos encontrando ao longo dos anos; ele era um tipo afável e falador. Da última vez, há três ou quatro meses, encontrámo-nos na rua; ele fazia a cobertura de uma greve. Falámos de trivialidades, dissemos mal da escória que nos governa; essas coisas.

Gostava de ler o Miguel Gaspar e de o ouvir falar. Com frequência não estava de acordo com ele, mas ainda assim o que ele dizia tinha quase sempre pertinência. Creio que ele era um dos tipos a quem se pode chamar com propriedade de jornalista. Haverá outros, conheço outros; mas o Miguel tinha a obsessão da imparcialidade. Tinha aquele jeito – e obsessão - de saber procurar a perspectiva, a outra perspectiva, que melhor permitisse compreender o acontecimento: porque é que alguém disse o quê, e quem é que afectou e como; mesmo para além da sua opinião. Uma ilusão, talvez, essa da isenção e da imparcialidade, mas eu creio que – eventualmente não a isenção, mas - a sua procura, estimulavam e determinavam a sua forma de fazer jornalismo.

Ainda estou em choque com o desaparecimento de Miguel Gaspar (54 anos!!), um dos nossos melhores jornalistas, subdirector do Público e, enfim, um tipo que gostava de Jazz.

À família e amigos, as minhas sinceras condolências.

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