Por largas décadas a bibliografia traduzida em Portugal de Julio
Cortázar resumia-se, creio, a três livros: «Histórias de cronópios e de famas»
e «Todos os fogos o fogo», ambos edições dos anos 70 da Estampa, e «Bestiário»
da Dom Quixote. Creio não estar enganado. Já nos anos 90 terão sido
reeditados estes títulos, e a Dom Quixote publicou em formato de bolso, «Blow
Up e outras histórias», tradução com título oportunista (provavelmente traduzida da versão inglesa com título oportunista) de «Las Armas
Secretas», que haveria de ser republicado pela Cavalo de Ferro já este ano,
respeitando o título original. Já aqui falei disso.
Enfim foi já neste milénio, creio, que foram finalmente
editados o monumental «O Jogo do mundo (Rayuela)», «Final do Jogo», «Gostamos tanto da Glenda», «Papéis Inesperados» ou «A volta ao mundo em 80 dias». E continua por editar o
grosso da produção literária do profícuo Cortázar, mais de quarenta títulos.
Mas estamos melhor, pois estamos.
Depois de ter relido já este ano «As Armas Secretas»,
entusiasmei-me para «A volta ao dia em 80 mundos».
Embiquei logo na página 10, segunda página de texto: «… e
não se atreviam a divertirem-se». Que raio!? Reli a frase. Extravagância de
escritor? - A frase era repetida três linhas abaixo.
Desconfiado, prossegui a leitura com as «originalidades» a
fazerem-me tropeçar a cada passo. Eu que tenho uma antiga aversão à gramática,
encalhava nas vírgulas que não me deixavam respirar, numa pontuação que eu
diria pelo menos questionável.
E pouco depois, a página 21: «Que sorte excepcional ser
sul-americano … e não sentir-me obrigado a escrever a sério…».
Pois. Gralhas são gralhas, mas isto já não tinha nada cara
de passaroco. Não sei de quem é o mal: se do tradutor, se do revisor, se da
editora (se meu). Não será fácil traduzir um autor da estatura de Julio
Cortázar, mas ele merecia mais
respeito.
E aos tropeções vou lendo.
Logo na primeira página Cortázar declara a sua inspiração em Lester Young; pois quem
mais? Entre os cronópios, as famas e os demais fantasmas que assolam a sua
escrita estão, para os jazzómanos, os mais queridos Clifford Brown – que página
magnífica, dorida, bela -, Thelonious Monk, Jelly Roll Morton, Louis Armstrong,
Charlie Parker; mas também, para todos, ao acaso, Mallarmé, Rimbaud, Max Ernst,
Jorge Luis Borges, Keats, Lewis Carroll, Duchamp, Brecht, Dreyer, Alain
Resnais, Chaplin e Keaton, Adorno, Gardel, Xenakis, Jean Dubuffet, Edvard Munch
e Júlio Verne.
Será que no final Cortázar vai sobreviver à tradução desastrada?
A volta ao dia em 80 mundos, Julio Cortázar (1967),
Cavalo de Ferro, 2010 (3.ª edição)
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