terça-feira, 3 de junho de 2014

O encoberto

«O encoberto» é uma paródia ao sebastianismo, em forma de peça teatral, de Natália
Correia. Proibida pela censura em 1970, a peça tem na proibição a sua maior curiosidade já que, mesmo do ponto de vista da obra literária da autora, ela é menos interessante. Claro que está lá tudo: o humor corrosivo, a verve carbonárica, o discurso excessivo, a intervenção social camuflada, servido pela escrita barroca que marcava a personalidade literária de Natália Correia. Mas diria que se sente em «O encoberto» o peso do tempo.

Imagino que a leitura da peça terá posto o censor em pânico: sem a ter compreendido, o homem do lápis azul refugiou-se na crítica às libertinagens literárias de Natália Correia.

Confesso que tive dificuldade em compreender o que é que o censor tinha para cortar, até que reli o relatório que o Público publica logo nas primeiras páginas da reedição fac-simile. Veja-se o exemplo da página 22 sublinhado pelo censor:  

Para se verem livres dos espanhóis os portugueses são capazes de reconhecer D. Sebastião no cu de um gorila.


As novas gerações terão dificuldade em compreender como foi possível um regime governado por tipos tão estúpidos e pequeninos sobreviver 48 anos (as velhas gerações também, mas andamos distraídos).

Mas depois, enfim, recordamos, que um dia, já em democracia, um primeiro-ministro pequenino proibiu um filme que dava pelo nome de «Pato com Laranja». Hum…

E depois acordamos do nosso torpor, assustados, quando nos lembramos que esse gajo pequenino é presidente da república…




O encoberto, Natália Correia, ed. Público, Livros Proibidos

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