sábado, 22 de fevereiro de 2014

Exercícios perdidos


Por falar em livros perdidos, descobri que também me desapareceu o
Exercícios de Estilo do Luiz Pacheco. Estou furioso, até porque era já uma segunda compra. Já andei nos alfarrabistas, mas descobri que não sou o único. Um deles pediu-me 50€ por uma edição coçada: que era um livro raro e tal e tal. Mandei-o bugiar, claro.  
Pode ser que um dos filhos do Pacheco ou alguém, o reedite.
Entretanto, apelo aos actuais possuidores dos meus livros, a quem obviamente emprestei, o favor de mo devolverem, porque me faz imensa falta.
Obrigado.

Os passos em volta

-Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio...
Começava assim a primeira história que li do Herberto Helder, há quarenta anos, retirada de Os Passos em Volta.
O deslumbramento foi partilhado com o Carlos Farinha (onde andará?) numa livraria da Rua do Ouro que já não existe. Livraria moderna, para a altura, podíamos vasculhar e ler sem afogos, e por lá descobri também o Exercícios de Estilo do Pacheco e sei lá que mais livros, bds e discos. Já não existe.
Pois sucedeu que o livro me desapareceu há muitos anos e me vi privado de o ler. O homem proibiu a sua reedição por muitos anos mas, vá-se lá saber porquê (hum, falta de dinheiro, talvez), mudou de ideias o ano passado.  
São vinte e tal histórias – terríveis, extraordinárias – contadas pelo mais obscuro poeta, que reli com o mesmo deslumbramento do descobrimento, e que guardo agora na estante com um garfo por cima: se apanho alguém a levar-mo, espeto-lhe o dito na mãozinha surripa.


Os passos em volta, Herberto Helder

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Vitor Silva Tavares Para já para já

O Vitor Silva Tavares é um daqueles tipos que me irritam. 
Editor da &etc, dedicou a sua vida a publicar as coisas dos outros e dedicou muito pouco do seu tempo a escrever, que é uma coisa que ele faz maravilhosamente.
Conheci-o (aos seus escritos) dos tempos da &etc (o pasquim, anos 70), que persiste como uma referência absoluta das letras e das artes em Portugal; e eu diria com a importância do que foi a Orpheu ou a Presença (não quero discutir as diferenças). Acutilante, incómoda, interventiva, graficamente deslumbrante, merecia ser redescoberta por todos os que têm pretensões a fazer qualquer coisa no campo das artes.

Estive a pesquisar na Internet: a &etc foi durante 26 números (1967...) um «magazine de letras, artes e espectáculos do Jornal do Fundão» e teve vida autónoma entre 1973 e 1974: 25 números. É esta última existência que eu conheço e de que tenho a colecção encadernada (por um amigo). Por lá passaram, vejam só (recorrendo de novo à Internet): Herberto Hélder, Nuno Júdice, Pedro Oom, António Ramos Rosa, Fiama Hasse Pais Brandão, João César Monteiro e Armando Silva Carvalho, e muitos mais: um luxo!!!
Depois de 74 retomou o ofício de editor (que tinha iniciado nos anos 60 na Ulisseia), já na nova &etc, com uma colectivo Coisas, a que se seguiu, creio, Morituri Te Salutant de Joao César Monteiro, e mais umas dezenas? centenas? nos quarenta anos que se seguiram. 
No final do ano passado Paulo da Costa Domingues e a Letra Livre publicaram &etc uma editora no subterrâneo (atenção: estou quase a fazer anos!), homenagem ao editor Vitor Silva Tavares, e o lançamento teve direito a um beberete para que os organizadores tiveram o desplante de não me convidar (cá se fazem...).
Mas regressando à minha irritação: o Vitor Silva Tavares é um preguiçoso. Digam-me vocês quantos livros conhecem do rapaz; quantas coisas leram dele? E no entanto...
Passeava-me eu pela Pó dos Livros quando deparei com um livreco - vinte e tal páginas - pardacento com dois textos do dito: um primeiro - Para já para já -, de 1972, e um segundo - Contumácia-, posfácio actual, explicação humorada - muito ao seu jeito- do desaparecimento do primeiro; acrescentados de uma nota dos editores.
Que vos hei-de dizer? Que em poucas linhas se reconhece o génio da escrita do Pacheco, do Cesariny, do Virgilio Martinho ou do Pedro Oom, que citam; e compreenderão o meu desgosto e a minha irritação pela preguiça de um dos grandes escritores da língua portuguesa, mais ocupado na boémia do ofício da edição. Lamentável.    
(Parabéns, e obrigado (quand même), caro Vitor Silva Tavares)  

Para já para já, Vitor Silva Tavares, dois dias edições, 2012

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Persona




Revi A Mascara de Bergman mais de 30 anos depois.
E devo confessar que me impressionou tanto ou mais do que me recordava!  
Que dizer sobre A Máscara, melhor dizendo Persona, que não tenha ainda sido escrito? Estamos perante uma obra-prima absoluta do cinema, inigualável-inigualada, mas sobretudo um exercício de cinema singular.
Cinema porque não é literatura ou teatro ou outra coisa qualquer, porque a história não poderia ser contada de outra forma.
Não se trata apenas da história, do conflito, da enfermeira Alma e da actriz Elisabeth Vogler (descobri na internet o nome brasileiro de Persona: Quando duas mulheres pecam!), mas de uma história contada como nenhuma outra forma de expressão (ou arte), poderia contar.  
Trata-se inequivocamente de um Bergman. Está lá tudo: o primado do teatro, o universo concentracionário, o conflito, as mulheres, a fotografia (magnífica, a cópia nova), a luz; mas sobretudo uma realização genial.
Mais do que a forma não literal de contar a história, que oferece ao espectador azo para interpretações ou leituras, ou a fusão/ cisão das personalidades (o que hoje poderia ser feito com muito mais «realismo»), dois momentos pertencem à História do Cinema: o discurso de Alma filmado em dois planos diferentes de forma consecutiva, e o grande plano do rosto da actriz sobre uma luz branca que ofusca todo o cenário.  
Outra vez: estamos perante uma obra-prima absoluta do cinema; a (sétima) arte no seu esplendor!

Persona, Ingmar Bergman, 1966

sábado, 18 de janeiro de 2014

O Olho do Diabo






Comédia de 1960, O Olho do Diabo é um dos filmes mais leves de Ingmar Bergman.
Curioso pela forma; o narrador fala com os espectadores e anuncia cada um dos capítulos da história: uma jovem de 20 anos está prestes a casar e é virgem, o que provoca um treçolho no diabo que decide enviar D. Juan à terra para resolver o problema.
Divertido.


Ingmar Bergman, 1960 

Mónica e o Desejo




Recordava-me de pouco: apenas a jovem Harriet Andersson a apanhar sol no barco nos canais de Estocolmo.
Um dos primeiros filmes de Bergman (1952) Mónica e o Desejo conta a história de uma rapariga inconstante, e tornar-se-ia famoso pela nudez explícita da jovem Harriet Andersson. O filme é mais do que a nudez (e sessenta anos depois o escândalo revela-se ridículo), e ela - a nudez - não é despicienda no contexto, e realmente tão importante para contar a história quanto os longos planos da paisagem (o cinema tinha desses luxos nos anos 50), dos canais e da luz na água, do pouco que vai acontecendo ao longo do verão, mas que vai transformando a relação dos dois jovens fugitivos.


Ingmar Bergman, 1952

Fanny e Alexander





Grande surpresa! A ideia que me tinha ficado dos anos 80 era de um filme menor, mais hollywoodesco. Nada disso! Se do ponto de vista da forma ele é de facto mais linear que A Máscara ou Lágrimas e Suspiros (a confirmar…), trata-se ainda assim do Grande Cinema! Fanny e Alexander é um filme magnífico na minúcia e rigor da descrição de uma família burguesa da Suécia do princípio do século XX; envolvente, terno, empático, autobiográfico.
Bergman conduz-nos pelos olhos do jovem Alexander: a família, a sua complexidade e a teia de relações, os costumes liberais da família, a fantasia, o colorido do Natal, o fascínio pelo teatro, a magia e o ajuste de contas com a moral conservadora (…) protestante. De certa forma está lá tudo – o universo sobre que Bergman de debruçou -, e que ele contou de formas diferentes.
Delicioso!   


Ingmar Bergman, 1982






Morangos Silvestres



Tomei consciência de que Bergman era afinal um moralista, e logo (no primeiro filme do ciclo a que assisti) em Morangos Silvestres. Não propriamente um «reaccionário», como se torna óbvio em Fanny e Alexander, mas no sentido de alguém com preocupações morais que quer transmitir.
O velho médico egoísta que na viagem onde vai receber um título honorário pela actividade de uma vida, reencontra o passado e a juventude, numa catarse redentora que no final lhe embrandece o coração e o reconcilia com o filho e a vida.
O sonho que se confunde com a vida, o relógio sem ponteiros e a carreta que transporta o morto numa rua silenciosa, sem pessoas, e que afinal se revela ele mesmo quando cai e se abre, são icónicos. 



Ingmar Bergman, 1957







Ciclo Ingmar Bergman

Mais de dois anos depois regresso ao Gato Escarninho para escrever sobre um dos meus heróis de juventude, Ingmar Bergman. A vida não é só Jazz, dizem…



Bergman, 40 anos depois! Confesso que as recordações eram confusas.
Revi o Morangos Silvestres, Fanny e Alexander, Mónica e o Desejo e O Olho do Diabo. Espera-me, já no próximo domingo, A Máscara e depois ainda O Sétimo Selo e Lágrimas e Suspiros, entre outros.
Parabéns à Medeia pela iniciativa mas, por Toutatis!, aquela sala (Nimas) é uma tortura! É preciso mesmo ter vontade de ver cinema: cadeiras velhas, gastas, desconfortáveis, filas alinhadas (em vez de desencontradas), mal concebidas, lugares apertados. A isto acresce o facto de não haver lugares marcados, que leva a que os atrasados tenham de procurar pelos seus meios encontrar os lugares soltos na plateia, com os incómodos resultantes para os espectadores já sentados. E ainda o curto intervalo entre as sessões que deixa invariavelmente os lugares aquecidos…
De aplaudir – além da iniciativa – o generoso número de sessões, por norma cinco (mas poderiam talvez ser quatro), entre a uma da tarde e as nove e meia da noite, em dois dias para a maior parte dos filmes. 


Ingmar Bergman, 1918 - 2007



sábado, 13 de outubro de 2012

Batman - The Dark Knight Rises




O super-herói Batman pertence à DC Comics, rival da Marvel (Spiderman...) , e tem sido objecto de revisitações por parte da indústria cinematográfica (entre os quais dois episódios de Tim Burton), com resultados diversos.
A figura Batman remonta aos anos 40 e tem a particularidade de ser um super-herói que não possui super-poderes, tendo sido também, ao longo dos anos, um dos super-heróis mais bem servido em termos de desenhadores.
Órfão milionário, Bruce Wayne viu os pais serem assassinados em criança, tornando-se mais tarde o herói vingador da noite de Gotham City. O sucesso de Batman ultrapassou o do Superman , tornando-se uma figura de culto. As razões do sucesso de Batman terão sido, entre outros, provavelmente o facto de não possuir super-poderes, que são substituídos por toda a sorte de gadgets; mas a sua arma principal é o medo que a sua figura, inspirada nos morcegos, incute nos criminosos.
O medo, a sua relação com o bem e o mal, e a relação com a insanidade, acabaram por gerar alguns dos melhores argumentos das histórias de banda desenhada. Vários argumentistas procuraram explorar a ideia de que a figura do bem que Batman representa é apenas um dos lados da mesma moeda que tem como reverso o mal: a viver no fio da navalha, inspirando os sentimentos mais primários nos criminosos, Batman estaria muito próximo deles. O seu maior inimigo, o Joker, não seria mais que o reverso de Batman, e até o hospício onde está aprisionado, o Arkham Asylum, é claramente uma versão negra da mansão Wayne.
A transposição para o cinema do Batman tem sido muito irregular, e este último é o pior dos episódios. O argumento é um desfilar de estereótipos, e claramente o realizador pouco sabe da figura de Batman. Muita destruição, muitos maus e feios, história com saltos, muitos efeitos especiais, com frequência desadequados, desaproveitamento de algumas poucas boas ideias: uma chatice.
Uma estrela para a Cat Woman (Anne Hathaway) e mais meia para a bat-mota.
A evitar.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

The Amazing Spider-man


 
Confesso que não perco um Homem Aranha. Que querem? Cresci com Peter Parker e ele tornou-se de certa forma num alter-ego.    
Surgido em 1962, Spiderman é um dos primeiros super-heróis da Marvel (creio que os primeiros terão sido os Fantastic Four) , e é o grande responsável pelo sucesso da editora. The Amazing Spiderman rompia com os super-heróis invencíveis do estilo Superman, praticamente sem vida pessoal. Peter Parker era um jovem solitário, apaixonado, inteligente, com problemas financeiros; ao contrário do macambúzio e desinteressante Clark Kent. E se Superman tinha sido o super-herói que os americanos precisavam para enfrentar os nazis, os adolescentes dos anos 60 reviam-se agora num herói complexo, que ria e sofria e crescia com eles.
Spiderman inaugurava a era dos anti-super-heróis (os anti-heróis tinham sido «inventados» por Charles Schulz em 1950). O bem e o mal deixavam de ser desenhados a preto e branco e, com frequência, os argumentistas do Homem Aranha procuravam explicações sociológicas ou psicológicas para explicar o mal. Os vilões nem sempre eram maus, ou eram-no pelas circunstâncias, e os bons nem sempre haveriam de ser «cavaleiros andantes». Não ainda assim o Homem Aranha, que pagava os erros bem caro, e para quem as histórias acabavam invariavelmente mal, mesmo quando derrotava os vilões. Mas ele necessitava esconder a sua personalidade super, chegando a sugerir cobardia ou fraqueza, para defender os amigos ou a família. As coisas não lhe corriam bem com as namoradas, a tia, os colegas ou os amigos. De certa forma ele encarnava os anseios dos jovens em formação de personalidade, para quem ninguém era capaz de reconhecer as virtudes da sua alma que o corpo não podia transmitir. Quando em 1973, num comovente episódio, a namorada do jovem Peter Parker, Gwen Stacy, morre às mãos do Duende Verde, alguns jornais americanos noticiaram a sua morte na primeira página! Era simbolicamente o fim da inocência na banda desenhada, onde ninguém morre, mas o episódio em que a vitória contra o inimigo lhe custou a vida da namorada caracteriza bem a figura do super-anti-herói.
Enfim, o enorme sucesso do aranhiço na banda desenhada tem acompanhado também os filmes, que procuram respeitar o espírito da série, mesmo reescrevendo as histórias.
O último episódio regressa atrás na sequência que estava a ser seguida, recuperando um super-vilão, o Lagarto (surgido em 1963), mais uma vez um vilão «acidental».
História agradável, bem contada, efeitos especiais no seu melhor (mesmo se a versão 3D abusa do efeito view master), duas horas de entretenimento assegurado. O realizador procurou sempre insuflar a alma agitada no personagem, mas resiste a um happy end.

Just Kids, Patti Smith



Leitura de férias foi um presente de aniversário, Just Kids de Patti Smith.
Ao longo das 300 páginas de Just Kids passam Allen Ginsberg, Andy Warhol, Bob Dylan, Jimi Hendrix, Janis Joplin, e toda uma infinidade de personagens que foram a imagem da beat generation nos finais dos anos 70, ficando por vezes a sensação de que Patty Smith chegou sempre tarde: ela encontrou toda a gente quando eles já eram famosos e ela ainda não o era. Horses, o primeiro disco Patty Smith, foi editado em 1975, já num período de ascensão do punk, cinco anos depois da morte de Hendrix, Jim Morrison ou Joplin. A Factory tinha fechado em 1968…  
Just Kids tem como argumento as relações da cantora com o amigo de sempre, Robert Mapplethorpe (a quem é dedicado), até à sua morte, percorrendo um período que vai da infância à mudança para New York, até ao sucesso como cantora e artista.Torna-se por vezes um pouco cansativo pela minúcia descritiva, pecando também pela forma simpática como Patty Smith se descreve a si mesma (mas enfim, creio que outra coisa não seria de esperar numa autobiografia).
O livro é curioso, revelando uma artista culta, com uma grande atracção por poetas como Rimbaud e pela cultura europeia e uma enorme convicção no futuro.