Não vale a pena bater mais no energúmeno: se há coisa em que as religiões cristã, muçulmana e judaica estão todas de acordo é na opressão da mulher, e o gajo é a prova viva disso.
Para os que gostam de falar da superioridade da nossa civilização e da nossa história e das origens cristãs, é preciso dizer de novo: pois, a nossa civilização é grande, mas foi construída APESAR da religião e CONTRA a religião. Mas eles são tão parecidos: afinal nasceram todos no mesmo sítio, no mesmo Médio Oriente, e sim, eles andem aí...
Não me vou repetir, e poderia, mudando apenas uma ou outra frase do que anteriormente escrevi. Em vez disso publico abaixo o texto integral do Ricardo Araújo Pereira publicado na Visão de 26 de Outubro passado (que o faz muito melhor que eu), com a devida vénia:
Aquele que nunca tiver pecado atire o primeiro juiz
Um acórdão escrito pelo Juiz Desembargador Neto de Moura e
subscrito pela Juíza Desembargadora Maria Luísa Arantes justifica a leveza da
pena de dois agressores de uma mulher dizendo: “o adultério da mulher é um
gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. (...) Na Bíblia, podemos ler
que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.” É difícil entender a sanha
dos juízes contra a única coisa boa do casamento: o adultério. Devem ser
pessoas solteiras, estes meritíssimos. No entanto, já me parece interessante a
ideia de recorrer à Bíblia para regular os nossos tempos, tão debochados. O
sentido de justiça do livro sagrado, sobretudo quando o lemos ao pé da letra,
pode contribuir para a tão necessária moralização da nossa sociedade. Além das
mulheres adúlteras, outra gente igualmente pérfida terá à sua espera castigos
adequados. Se alguém for presente a tribunal por ter sido apanhado a comer uma
bifana (um delito a que as autoridades fecham os olhos há demasiado tempo), Neto
de Moura pode recordar-lhe Isaías 66:17: “os que comem carne de porco, répteis
e ratos, todos eles perecerão”. E encaminhá-lo para a cadeira eléctrica. Algum
homossexual detectado pela polícia terá de se confrontar com a lei de Levítico
18:22: “Não te deites com um homem como se fosse uma mulher: é uma abominação.”
Do mesmo modo, qualquer cidadão que vista uma dessas calças
modernas deve ouvir, da boca de Neto de Moura, a regra expressa em Levítico
10:6: “Não rasgueis as roupas, para não morrerdes, e para que Javé não fique
irritado contra toda a comunidade.” Se um homossexual com jeans rasgados for
visto a comer uma bifana, talvez o Supremo tenha de intervir. Outros crimes
graves, tais como sexo antes do casamento, masturbação, trabalhar ao sábado, divórcio,
cortar o cabelo de determinada forma, serão devidamente castigados.
Por outro lado, algumas das actuais penas serão bastante
menos pesadas. Por exemplo, um violador, normalmente condenado a vários anos de
prisão, terá sorte se for parar ao tribunal da dupla Neto de Moura/Luísa
Arantes, uma vez que a Bíblia propõe uma pena bastante diferente, em
Deuteronómio 22:28: “Se um homem encontra uma jovem que não está prometida em
casamento e a agarra e tem relações com ela, (...) dará ao pai da jovem 50
moedas de prata, e ela tornar-se-á sua mulher.” Quem tiver 50 moedas de prata
disponíveis e deseje casar-se com uma senhora da comarca de Neto de Moura, já
sabe: basta violar a futura esposa. Além da garantia do casamento, fica com um
episódio bem romântico para contar aos filhos, à mesa do jantar.
Além de recorrer à Bíblia, os juízes ainda lembram que, em
certas sociedades, as mulheres adúlteras são condenadas à morte por
apedrejamento. Neste ponto, creio que os autores do acórdão revelam um louvável
desejo de se envolver no processo.
Juízes que são calhaus podem colaborar com a justiça duas
vezes: ordenando o castigo e participando nele.
Ricardo Araújo Pereira
Visão, 26 de Outubro de 2017
Sem comentários:
Enviar um comentário