As primeiras imagens de Cavalo-Dinheiro, com Ventura arrastando-se pelos subterrâneos em ruínas, são poderosíssimas. Pelo filme passam personagens fugazes, a mulher que deixou, o filho, os amigos, o soldado da guerra colonial, os traumas do exilado, ele mesmo. As brumas atravessam-lhe o caminho, sem saída, que Pedro Costa não procura esclarecer.
Pedro Costa filma a loucura de Ventura da
forma mais crua, a partir de um hospício – o frio do quarto, as paredes nuas, o
refeitório sem pessoas, o elevador - onde o emigrante cabo-verdiano está
internado. O realizador filma o delírio, a realidade confunde-se com o passado e os devaneios doentios de Ventura, que deambula pelas catacumbas da
mente – o tempo que se/o confunde em diferentes dimensões e espaços.
Numa das cenas finais Ventura confronta-se com
os fantasmas da guerra colonial no cenário fechado do elevador do hospital, a sós
com um soldado, camuflado e imóvel, de espingarda em riste.
Ventura não é de todo o típico objecto do cinema, que mesmo quando faz deles actores, lhe recusam
densidade e personalidade. E essa será uma dos grandes interesses do cinema de
Pedro Costa: a representação da demência de um emigrado, um negro
cabo-verdiano, um «trabalhador das obras», eleito das larachas, um personagem
que o cinema sempre ignorou.
Do ponto de vista da narrativa Pedro Costa
almeja filmar a esquizofrenia de uma forma hiper-realista. Pedro Costa enche o
ecran com a figura do actor, numa fotografia e som verdadeiramente magníficos. A
própria cor da imagem confunde-se com a cor da pele de Ventura, e os grandes
planos que enchem o ecran procuram insuflar a densidade da loucura que pretende
comunicar.
Posto isto.
Quase todo o filme se resume a um actor; a
voz em off, os grandes planos concêntricos, os cenários minimalistas, o ritmo
lento, a duração excessiva do filme, são obviamente premeditados, mas acabam
por trair os objectivos do realizador. A imobilidade recorrente do actor e as
vozes em off vão distanciando o público que não consegue «entrar» no personagem; o
recurso (intencional) à «verdade da imagem» e a ausência de artifícios, revelam-se
inadequados para representar a loucura.
O desajuste na inadequação da síntese de
esquizofrenia e realismo cru têm o climax na cena onde Ventura enfrenta o
soldado da guerra colonial, com o corpo pintado e imóvel como um soldado de chumbo (ou um dos homens-estátua da Rua Augusta), e que esvazia toda a
densidade da cena e dos personagens.
Boas intenções e uma excelente técnica e fotografia não
chegam para fazer um bom filme. Faltou cinema.
Cavalo Dinheiro, Pedro Costa, 2014
Cavalo Dinheiro, Pedro Costa, 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário