sábado, 1 de novembro de 2014

Ainda sobre o Amadora BD 2014


Do ponto de vista plástico e arquitectónico o Amadora BD deste ano está muito bom (embora fosse difícil superar o festival do ano passado). Mas algumas soluções simples – as paletes e a forma de fixar os painéis com cabos, p.ex. - são muito interessantess e, em especial o piso «nobre» está ao nível dos melhores.
Mas devo fazer algumas observações:
- O espaço da cave é um problema crónico. Creio que há sempre um investimento desproporcional no piso principal, tratando o piso inferior como suplementar. Mas o público (ou quase todo, e pelos menos os «turistas», penso eu) percorre todos os espaços, e este segundo piso parece estar sempre inacabado. Alguma coisa parece cronicamente falhar. Muito grande, ele acaba por deixar grandes vazios, o que é bastante desagradável. Seria de considerar futuramente a hipótese de cortar o espaço a meio.
- O Amadora BD 2014 dedicou uma atenção especial às figuras de Batman e Mafalda, que fazem, respectivamente, 75 anos e 50 anos.
Figuras bastante diferentes, eles mereceriam, por si só, um festival inteiro, e todo o tempo e espaço seriam insuficientes.
Eu não sei dos problemas logísticos, de direitos de autor, meios técnicos e de financiamento, que envolvem trazer pranchas para Portugal e construir salas à volta de um autor ou uma figura; mas qualquer destes «heróis» precisava de mais espaço e principalmente mais aternção.
Não preciso enfatizar que o Batman será porventura o super-herói que teve mais e melhores desenhadores e autores. Figura complexa, não se esgotaria num festival, mas duas salas são manifestamente insuficientes. De outra forma, uma sala e meia dúzia de pranchas para a Mafalda é pouco. Muito pouco.   



A pior banda do mundo (II)





Foi publicado o 2.º volume de A Pior Banda do Mundo de José Carlos Fernandes, reunião em capa dura das três histórias em falta: «A Grande Enciclopédia do Conhecimento Obsoleto», «O Depósito dos Refugos Postais e «Os Arquivos do Prodigioso e do Paranormal».
Remeto os meus leitores para o que aqui deixei escrito em Junho sobre o 1.º volume desta obra.
Talvez algum abuso da mesma lógica surreal, mas ainda assim imprescindível.

A Pior Banda do Mundo, José Carlos Fernandes, Devir, 2014

Amadora BD 25 anos!


A Amadora BD faz 25 anos. E parece que foi ontem!
Timidamente nomeado «Salão de Banda Desenhada da Amadora», o Primeiro Festival teve como espaço a Galeria Municipal da Câmara, cedo se mudando para a antiga fábrica da Sorefame, antes de adoptar finalmente o espaço que hoje ocupa, no Fórum Luís de Camões, na Brandoa.
Ao longo de um quarto de século o Amadora BD teve anos melhores e piores, atravessou
crises, mas ainda assim soube consagrar-se como o mais importante evento de banda desenhada nacional, e mesmo granjear uma respeitável reputação internacional.
O inestimável trabalho que o Amadora BD faz não se limita à exposição de pranchas, mas tem um papel educativo e divulgador – que não se confina aos quinze dias da exposição e ao espaço da Brandoa, mas ao longo do ano junto de escolas e jovens estudantes -, promovendo a BD e quebrando ideias erróneas sobre a menoridade ou marginalidade da BD: o Amadora BD é hoje um incontornável evento cultural nacional.
Como apreciador de banda desenhada desde a minha juventude, tenho acompanhado com entusiasmo o Amadora BD desde a primeira hora, e não quero deixar de lhe dar os parabéns pelo magnífico trabalho realizado ao longo de 25 anos.. 
Parabéns Amadora BD!

Julio Cortazar, Lester Young, «e não se atreviam a divertirem-se»


Por largas décadas a bibliografia traduzida em Portugal de Julio Cortázar resumia-se, creio, a três livros: «Histórias de cronópios e de famas» e «Todos os fogos o fogo», ambos edições dos anos 70 da Estampa, e «Bestiário» da Dom Quixote. Creio não estar enganado. Já nos anos 90 terão sido reeditados estes títulos, e a Dom Quixote publicou em formato de bolso, «Blow Up e outras histórias», tradução com título oportunista (provavelmente traduzida da versão inglesa com título oportunista) de «Las Armas Secretas», que haveria de ser republicado pela Cavalo de Ferro já este ano, respeitando o título original. Já aqui falei disso.
Enfim foi já neste milénio, creio, que foram finalmente editados o monumental «O Jogo do mundo (Rayuela)», «Final do Jogo», «Gostamos tanto da Glenda», «Papéis Inesperados» ou «A volta ao mundo em 80 dias». E continua por editar o grosso da produção literária do profícuo Cortázar, mais de quarenta títulos. Mas estamos melhor, pois estamos.
Depois de ter relido já este ano «As Armas Secretas», entusiasmei-me para «A volta ao dia em 80 mundos».
Embiquei logo na página 10, segunda página de texto: «… e não se atreviam a divertirem-se». Que raio!? Reli a frase. Extravagância de escritor? - A frase era repetida três linhas abaixo.
Desconfiado, prossegui a leitura com as «originalidades» a fazerem-me tropeçar a cada passo. Eu que tenho uma antiga aversão à gramática, encalhava nas vírgulas que não me deixavam respirar, numa pontuação que eu diria pelo menos questionável.
E pouco depois, a página 21: «Que sorte excepcional ser sul-americano … e não sentir-me obrigado a escrever a sério…».
Pois. Gralhas são gralhas, mas isto já não tinha nada cara de passaroco. Não sei de quem é o mal: se do tradutor, se do revisor, se da editora (se meu). Não será fácil traduzir um autor da estatura de Julio Cortázar, mas ele merecia mais respeito.

E aos tropeções vou lendo. Logo na primeira página Cortázar declara a sua inspiração em Lester Young; pois quem mais? Entre os cronópios, as famas e os demais fantasmas que assolam a sua escrita estão, para os jazzómanos, os mais queridos Clifford Brown – que página magnífica, dorida, bela -, Thelonious Monk, Jelly Roll Morton, Louis Armstrong, Charlie Parker; mas também, para todos, ao acaso, Mallarmé, Rimbaud, Max Ernst, Jorge Luis Borges, Keats, Lewis Carroll, Duchamp, Brecht, Dreyer, Alain Resnais, Chaplin e Keaton, Adorno, Gardel, Xenakis, Jean Dubuffet, Edvard Munch e Júlio Verne.
Será que no final Cortázar vai sobreviver à tradução desastrada?

A volta ao dia em 80 mundos, Julio Cortázar (1967), Cavalo de Ferro, 2010 (3.ª edição)