Como não sou alentejano (e cresci na
cidade), o meu conhecimento da gastronomia alentejana tem-se feito de forma
irregular, ao longo dos anos. Comida pobre, ou melhor, comida de pobre, ela é
rica em diversidade: a excelente carne de porco autóctone – e tudo se come no
porco entre o rabo e o focinho – alimentado a bolota e restos, temperada com as
mais variadas ervas, os enchidos, o pão – e as açordas - e o queijo, o vinho,
pois claro, até o peixe e os ovos, mas também as ervas «menores», as
beldroegas, os cardos e os espargos, têm vindo a ganhar lugar na minha ementa, obrigando-me a desvios de quilómetros, que em boa verdade faço com gosto.
A minha última epifania aconteceu
com o poejo, há uns três anos.
Tinha um vago conhecimento do poejo, que resultava do licor que tinha provado
numa feira. Mas faz-se licor de tudo e eu não sou um grande aficionado dos
ditos, e tive más experiências no passado. Fico-me pela ginja, que
ocasionalmente também experimento fazer. Mas regressando aos poejos, a minha
ignorância era quase total: era uma erva que havia no Alentejo e no Algarve.
Andava
eu um feriado passeando com a família pelo Alentejo quando se fez tarde para
almoçar. Por qualquer razão (por ser feriado talvez), os restaurantes que
procurei na zona estavam todos fechados. Achegava-me a Évora, já desesperado,
quando passei por uma terriola de nome curioso, Azaruja (que é o que eu chamo a
determinados indivíduos), onde ao perguntar por um restaurante me indicaram o
Bolas, mesmo ao lado da praça de toiros.
Aquilo
não tem grande aparência por fora, e noutra ocasião talvez eu tivesse passado.
Mas a fome apertava e eu parei o carro para ver se ainda serviam.
Apenas
trespassei a porta e levei um murro na cara: um cheiro intenso acre no ar
pôs-me salivar imediatamente. Dirigi-me a um senhor que me pareceu ser o dono e
perguntei-lhe ao que cheirava. Respondeu-me bonacheirão o Sr. Manuel (Bolas)
que talvez fosse a sopa de poejos.
Pois
veio a sopa de poejos com ovos e migas de espargos com carne de porco e não sei
o
que estava melhor. E não mais esqueci. Voltei ao Bolas no ano passado e –
mesmo se a experiência, do ponto de vista gastronómico, não se revelou tão
singular (por culpa minha, reconheço, que lá cheguei num dia de semana já às três
da tarde) – confirmei a excelência da cozinha do Bolas. Apenas aconselharia os
interessados que ligassem previamente a reservar mesa e prato e sobretudo que
chegassem a horas para almoçar.
Não
é fácil encontrar poejos em Lisboa. Ora há um mês atrás andava eu pelo mercado
de Vila Real de Santo António quando senti um cheiro no ar que se sobrepunha ao
cheiro do peixe! que nem a minha sinusite crónica me impediu de reconhecer:
havia poejos frescos!
Com
o molho que comprei, experimentei fazer a minha primeira sopa de poejos.
Socorri-me da internet e fiz uma sopa em tudo semelhante à sopa alentejana de
coentros. A experiência, mesmo se agradável, esteve longe da sopa do Bolas.
Talvez tenha deixado fritar demais a gordura do toucinho de porco preto com que
iniciei a sopa, e o travo um pouco esturricado do - ainda que saboroso - toucinho
intrometeu-se no sabor do poejo.
Encontrei
poejos na semana passada em Lisboa, a preço gourmet, e desta vez quase
dispensei a gordura do toucinho, mas introduzi outro elemento: o bacalhau.
Depois
de fritar um pouco os alhos e os poejos esborrachados no almofariz, juntei-lhe uma
posta de bacalhau desfiado com a sua água da cozedura. Depois de ferver,
acrescentei os ovos para escalfar e pronto. Umas fatias de pão alentejano no
fundo do prato e oh senhores!, que manjar!
Simples e divinal!
Restaurante O Bolas, Azaruja