Só os amantes
sobrevivem (Only Lovers Left Alive) é a história de dois vampiros, dois amantes, cujo amor sobreviveu
ao tempo e à distância: ela, Eve (Tilda Swinton) e ele Adam (Tom
Hiddleston) – significativamente o Adão e Eva de antes da memória.
Há várias coisas
irresistíveis no filme de Jim Jarmusch, a começar pela banda sonora, magnífica,
depois o tempo – leeeento -, em/com que o filme decorre, e as ambiências, entre
o decadente e o fascinante pop culto.
Eve vive em Tânger, cuja noite
inquietante e sombria percorre para obter o sangue que um outro vampiro lhe
fornece; enquanto Adam vive na arruinada Detroit, alimentando-se do sangue que
obtém num hospital. Ambos vivem praticamente isolados num passado nem sempre consistente, apenas
comunicando com um número restrito de personagens, que lhes fornece o acesso à
cultura ou ao alimento.
Adam sente a sua
solidão ameaçada pelos zombies e Eve parte para Detroit ao encontro do amante
eterno. Os dias correm lânguidos na casa fascinantemente decadente – o passado,
o antigo, onde a literatura de Shakespeare se cruza com a Motown-Stax soul
music, a pop e os objectos retirados de um passado eterno. Adam acaricia uma Gibson
de 1905 (as guitarras eléctricas só foram inventadas nos anos 30 e a Gibson só
as começou a fabricar 20 anos mais tarde…), faz a música que outros se atribuíram
e recita os poetas enquanto bebe sangue «puro» (em oposição ao sangue conspurcado
dos zombies) em vasos de cristal e Eve lê os livros que transportou da enigmática
Tânger.
Enfim, o quotidiano
é perturbado pela aparição da irmã de Eve, que desencadeia a saída dos amantes,
fazendo-os regressar a Tânger, onde a história de precipita. E enfim, observemos, não é por
serem amantes, mas vampiros, que sobrevivem.
O fascinante de Só os amantes sobrevivem não é a história.
Eu diria mesmo que o filme não precisava da história e o remate de Jarmusch quase
o destrói. Se não fosse a imagem magnífica, os corpos, os actores, os amantes, os
ambientes, os objectos, as referências, o tempo, a banda sonora fabulosa, Só os amantes sobrevivem seria um filme
falhado. Mas claro, há a imagem magnífica,
os corpos, os actores, os amantes, os ambientes, os objectos, as referências, o
tempo e a banda sonora fabulosa…
(Há uma história desenhada pelo Carlos Barradas, publicada na
revista Visão - gloriosa publicação de banda desenhada dos anos 70- intitulada «Viver
não custa», creio, onde um vampiro se fazia atropelar para se submeter a uma
transfusão de sangue – a história terminava com o vampiro a clamar «é preciso é
saber viver». Lembrei-me da história quando estava a ver o Só os amantes sobrevivem de Jim Jarmusch.
Só os amantes
sobrevivem (Only Lovers Left Alive), Jim Jarmusch, 2014