segunda-feira, 9 de junho de 2014

O Chico e a Beldroega



O anúncio de um fim de semana dedicado à beldroega (incluido no Ciclo Gastronómico «As Ervas da Baronia») promovido pela Câmara do Alvito, fez-me recordar outra das minhas grandes descobertas da gastronomia alentejana. Pois tal aconteceu há uns dez anos n’ O Chico de São Manços.   

Alguém me tinha falado d’O Chico e a curiosidade fez-me parar em São Manços numa tarde em que me dirigia para o Algarve.

São Manços é uma pequena localidade situada um pouco a Sul de Évora, mesmo ao lado da nacional 18, no sentido de Portel. Algures lá pelo meio fica O Chico (ou Xico, como está escrito no pára-sol), restaurante sem grandes características, e se não fosse a excelência da comidinha, nada me faria desviar do meu caminho.

Sala modesta pois, mas aconchegada. Assim que nos sentámos, vieram logo as entradinhas, a que é inútil resistir: favas guisadas com paio e toucinho frito, pezinhos de coentrada, iscas grelhadas com alho e azeite, queijos secos (de outras vezes orelha de porco em vinagre e coentros, grão com atum, alhada de cogumelos, polvo no azeite, painhos e chouriças e outras de ocasião).

A minha escolha recaiu nos pezinhos, cheirosos e suculentos, e verdadeiramente poderia ter ficado por aí. Mas tratava-se de uma entrada, um petisco, e petisco não é refeição (como diria o RAP).

Prosseguimos para as sopas, que lhes vínhamos recomendados. Três opções: a mais conhecida, a sopa de cação, a sopa de beldroegas e a sopa de cardos com bacalhau. Investimos na sopa de beldroegas.

Menosprezada na culinária, praga, a beldroega é uma erva suculenta que tem vindo a ganhar espaço nas prateleiras dos legumes e hortaliças dos supermercados, mas que faz parte da gastronomia do Alentejo desde sempre. O seu uso na culinária estender-se-á às Beiras e ao Algarve, e perdoem-me os transmontanos, minhotos ou estremenhos, mas não me recordo de aí ter alguma vez encontrado tal coisa. Em boa verdade, não me recordo de encontrar a sopa de beldroegas como iguaria fora dos menus dos restaurantes alentejanos.

Pois se eu já conhecia a sopa de beldroegas (como uma mais vulgar sopa de legumes), nada me fazia suspeitar o que encontrei na terrina que o Sr. Chico colocou na mesa: uma cabeça de alhos inteira, ovos escalfados e um queijo de ovelha! Comida de pobre, a erva daninha era o argumento para um festim de sabores!

Haveria de confirmar mais tarde: esta é uma das variantes da sopa, mas estes quatro ingredientes são quase sempre centrais na sopa, e uma delas inclui a posta de bacalhau. Mas aqui n’O Chico a sopa de beldroegas é a sopa de queijo e ovo, faltando apenas as inevitáveis fatias de pão velho de três dias - azedo, alentejano - no fundo do prato.

A refeição acabou quase aqui. O final estava reservado para umas fatias de queijo de cabra e um último copo de tinto. Mas a doçaria d’O Chico é também ela generosa, como é generosa a garrafeira.

Recordo que o preço da sopa rondou os 8€ e bastou para três comensais. Claro que com as entradas, o vinho e o queijinho final, a conta subiu.

A ementa d’O Chico não se fica pelas sopas: arroz de lebre, pato com arroz, ensopado de borrego, carne de alguidar, feijoada de caça, pezinhos de coentrada e grelhados vários justificam a deslocação.

Voltei ao Chico mais meia dúzia de vezes, onde repeti a sopa de beldroegas, experimentei uma gloriosa sopa de cardos com bacalhau, o ensopado e uns grelhados de porco, e também o fígado grelhado com azeite, alho e coentros, os cogumelos (a única entrada dispensável: os cogumelos, de lata, estavam cozidos e não sabiam a nada) e a salada de polvo - de truz - temperada com vinagre de vinho; que me recorde. Ficaram adiados os pratos de caça.

Os preços n’O Chico são razoáveis, mas é necessário ter cuidado: pode fazer-se uma boa refeição por 10€ ou passar facilmente para 25 se se atacar nas entradas e regar com um bom vinho. Mas como resistir à orelhita com coentros, ao fígado grelhado som azeite e alho ou ao queijo de cabra?

O Chico é um dos meus tascos de eleição, e a sopa de beldroegas a sua rainha.

 


O Chico, São Manços (Évora)
Ciclo "As Ervas da Baronia", Alvito, Vila Nova da Baronia


Sem comentários:

Enviar um comentário