segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O juiz ayatollah e o RAP

Andei a esgravatar nos meus posts antigos e descobri uma cartinha que eu escrevi em tempos a uma menina jornalista aquando do atentado ao Charlie Hebdo (O Gato Escarninho, Os limites da liberdade, Charlie Hebdo, 26 de Janeiro de 2015), e a propósito lembrei-me, é claro, da decisão do tal ayatollah que se pronunciou sobre adultério e violência doméstica; vocês sabem de quem falo.
Não vale a pena bater mais no energúmeno: se há coisa em que as religiões cristã, muçulmana e judaica estão todas de acordo é na opressão da mulher, e o gajo é a prova viva disso.
Para os que gostam de falar da superioridade da nossa civilização e da nossa história e das origens cristãs, é preciso dizer de novo: pois, a nossa civilização é grande, mas foi construída APESAR da religião e CONTRA a religião. Mas eles são tão parecidos: afinal nasceram todos no mesmo sítio, no mesmo Médio Oriente, e sim, eles andem aí... 
Não me vou repetir, e poderia, mudando apenas uma ou outra frase do que anteriormente escrevi. Em vez disso publico abaixo o texto integral do Ricardo Araújo Pereira publicado na Visão de 26 de Outubro passado (que o faz muito melhor que eu), com a devida vénia: 

Aquele que nunca tiver pecado atire o primeiro juiz


Um acórdão escrito pelo Juiz Desembargador Neto de Moura e subscrito pela Juíza Desembargadora Maria Luísa Arantes justifica a leveza da pena de dois agressores de uma mulher dizendo: “o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. (...) Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.” É difícil entender a sanha dos juízes contra a única coisa boa do casamento: o adultério. Devem ser pessoas solteiras, estes meritíssimos. No entanto, já me parece interessante a ideia de recorrer à Bíblia para regular os nossos tempos, tão debochados. O sentido de justiça do livro sagrado, sobretudo quando o lemos ao pé da letra, pode contribuir para a tão necessária moralização da nossa sociedade. Além das mulheres adúlteras, outra gente igualmente pérfida terá à sua espera castigos adequados. Se alguém for presente a tribunal por ter sido apanhado a comer uma bifana (um delito a que as autoridades fecham os olhos há demasiado tempo), Neto de Moura pode recordar-lhe Isaías 66:17: “os que comem carne de porco, répteis e ratos, todos eles perecerão”. E encaminhá-lo para a cadeira eléctrica. Algum homossexual detectado pela polícia terá de se confrontar com a lei de Levítico 18:22: “Não te deites com um homem como se fosse uma mulher: é uma abominação.”

Do mesmo modo, qualquer cidadão que vista uma dessas calças modernas deve ouvir, da boca de Neto de Moura, a regra expressa em Levítico 10:6: “Não rasgueis as roupas, para não morrerdes, e para que Javé não fique irritado contra toda a comunidade.” Se um homossexual com jeans rasgados for visto a comer uma bifana, talvez o Supremo tenha de intervir. Outros crimes graves, tais como sexo antes do casamento, masturbação, trabalhar ao sábado, divórcio, cortar o cabelo de determinada forma, serão devidamente castigados.

Por outro lado, algumas das actuais penas serão bastante menos pesadas. Por exemplo, um violador, normalmente condenado a vários anos de prisão, terá sorte se for parar ao tribunal da dupla Neto de Moura/Luísa Arantes, uma vez que a Bíblia propõe uma pena bastante diferente, em Deuteronómio 22:28: “Se um homem encontra uma jovem que não está prometida em casamento e a agarra e tem relações com ela, (...) dará ao pai da jovem 50 moedas de prata, e ela tornar-se-á sua mulher.” Quem tiver 50 moedas de prata disponíveis e deseje casar-se com uma senhora da comarca de Neto de Moura, já sabe: basta violar a futura esposa. Além da garantia do casamento, fica com um episódio bem romântico para contar aos filhos, à mesa do jantar.

Além de recorrer à Bíblia, os juízes ainda lembram que, em certas sociedades, as mulheres adúlteras são condenadas à morte por apedrejamento. Neste ponto, creio que os autores do acórdão revelam um louvável desejo de se envolver no processo.

Juízes que são calhaus podem colaborar com a justiça duas vezes: ordenando o castigo e participando nele.

Ricardo Araújo Pereira
Visão, 26 de Outubro de 2017

sábado, 11 de novembro de 2017

A fábrica de nada







De certeza que já disseram ao Pedro Pinho que o filme é comprido. Compreende-se a intenção do autor de sublinhar algumas ideias, as discussões absurdas que alguns, muitos talvez, dos espectadores também, terão tido no PREC, ou o drama real (a história é baseada em factos reais) que os operários viveram, por exemplo; mas claramente o tempo - três horas - penaliza o filme. Não por ser comprido e afastar o público, mas pela desnecessidade de regressar a algumas cenas mais patéticas uma e outra vez (em prejuízo até, aqui e ali, da exploração das vidas pessoais dos personagens). E o absurdo de a elas regressar, como uma obsessão do autor. 
A ideia do filme nasceu, ao que é referido, de Jorge Silva Melo, e demorou algum tempo a fazer. O filme desliza com frequência entre o documentário, o teatro e o ensaio, até se decidir (na montagem) pelo cinema. Mas nota-se, mesmo se creio poder dizer que Pedro Pinho logrou, apesar disso e in extremis, segurar o filme, quero dizer, oferecer-lhe a consistência necessária para ser um cinema. Não sem, também aqui, sacrificar o tempo do filme.
Diria que, amputado de uma boa horinha, o filme ganharia.  

Mas é preciso observar da mesma forma algumas ideias brilhantes, e não falarei apenas da cena dos operários a dançar, ou essa outra da descoberta das armas. Não me incomoda a subversão temporal, que sequencia cenas supostamente actuais e discussões passadas  (sem que se trate de flashbacks), ou a mistura do real e do absurdo: tudo isso é cinema. E por vezes brilhante, em A fábrica de nada.  

E há outros pontos fortes a assinalar no filme, a começar por uma fotografia e um som magníficos, e uma forma de filmar que tanto deve ao cinéma vérité como invoca Ozu: sem quaisquer limitações, a câmara ora persegue os actores que correm, ora se detém em planos onde os personagens se obrigam a enquadrar num mesmo espaço.

Mas talvez o que mais me tenha impressionado tenha sido a direcção de actores: Pedro Pinho é mais um dos novos realizadores portugueses que sabe o que fazer aos actores, e os liberta do espartilho bolorento do velho teatro português (que parece ter ficado em Gil Vicente, tendo perdido a sua graça). Pinho quase apenas utilizou actores amadores, ou homens do povo, mas conseguiu deles milagres. Já não mais o «ora-agora-falas-tu, ora-agora-falo-eu», mas genuínos diálogos. Coisas em que o João Canicho é soberbo, mas que o genial Miguel Gomes nem sempre resolve. Também aqui, no que fazer dos actores, Pedro Pinho, de quem eu conheço apenas este filme (eu vou pouco ao cinema), é magnífico.

A fábrica de nada, Pedro Pinho, 2017

Blade Runner 2049




Com matéria prima tão boa, como é que se pode fazer um filme tão tão tão tão ... tão coisinho, tão fraquinho? Tão irritantemente mediocrezinho?
Dispensável...

Nuno Saraiva





Nuno Saraiva
30 anos a desenhar
Amadora BD 2018

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Frivolidades



Frivolidades das Caldas

O Astrágalo







Uma história de amor, dramática e sofrida, belíssima, servida por um preto e branco rude.
A partir do romance autobiográfico de Albertine Sarrazin.


Autores: Anne-Caroline Pandolfo e Terkel Risbjerk
Edição: G. Floy

Amadora BD 2018


Os ignorantes








Dois ignorantes: um vinicultor e um autor de banda desenhada aprendem sobre vinho e BD.
Desenho e narrativa clássicos.
Instrutivo, divertido, excelente! 

Étienne Davodeau
Edição: Levoir

Prémio Amadora BD 2018

Contar o mundo


 Contar o mundo
A reportagem em banda desenhada
Amadora BD 2018
Comissária: Sara Figueiredo Costa

Will Eisner





1917 - 2005

  O espírito de Will Eisner
Amadora BD 2018
Co-comissários: Denis Kitchen e John Lind

Jack Kirby


 1917 - 1994

 100 anos de um visionário

Amadora BD
Comissário: Mário Freitas