segunda-feira, 16 de junho de 2014

E a noite roda





E a noite roda é o diário da jornalista catalã Ana Blau.

O diário tem início em 2004: Ana Blau é enviada para a Palestina nas vésperas da morte de Yasser Arafat para fazer a cobertura da situação em Israel e Palestina. Aí conhece Leon, um jornalista belga por quem se apaixona, e as duas histórias cruzam-se e prolongam-se.

Com o conflito israelo-palestiniano em pano de fundo, Ana Blau salta de Jerusalém para Barcelona, para Ramallah ou para Paris, de novo para Jerusalém ou regressa à Catalunha. Pelo caminho conhece poetas e judeus ortodoxos, encontra-se com jornalistas e políticos, é assaltada, assiste à construção do muro que Israel levanta à volta dos territórios ocupados.

O jornalismo, a política e a paixão cruzam-se na primeira pessoa, e será difícil não identificar a jornalista Ana Blau com a jornalista Alexandra Lucas Coelho. Política e jornalismo, onde a jornalista procura equilibrar a observação com a independência possível de alguém que assiste no terreno à política de devastação que Israel provoca na Palestina, à agressão, à construção do novo «muro da vergonha», ao sufoco económico dos territórios ocupados, à metáfora viva da contenda entre o gigante Golias e o pequeno David. E também à luta fratricida entre as facções palestinianas, a corrupção, as pequenas misérias sociais.

E enfim a paixão dos dois amantes pelos olhos da mulher, a descrição crua do amor que os percorre entre as estradas de montanha da Catalunha e as camas dos hotéis para jornalistas de Jerusalém. Amor impossível, paixão que se expõe e se alimenta no sexo e da distância.

Não sou fã da escrita telegráfica e o livro da Alexandra Lucas Coelho começou por me aborrecer sobremaneira – confessarei mesmo que depois da décima página apenas prossegui a leitura devido ao prémio da APE.
Jerusalém. Amo-te. Sinto a falta do teu corpo. Ramallah. Enviei-te um email mas não me respondeste. Jerusalém. Acordei contigo a olhar para o meu corpo nu.: a minha caricatura nem sempre é assim tão distante e, sendo óbvio que a forma minimalista é intencional, ela pode tornar-se aborrecida.

A partir de certa altura o diário de Ana Blau ganha fôlego na exposição do amor carnal, muito próximo do mais lascivo de Anais Nin; pouco vulgar, chocante na escrita feminina (ai, ai, ai, os meus tiques machistas); e as últimas páginas, escritas em jeito de posfácio, deixam entrever literatura (ao nível da Alexandra Lucas Coelho).

O cruzamento das histórias, a vertigem e os acidentes do percurso da catalã, a paixão, as descrições epidérmicas da paixão e do sexo e do frenesim que consome os amantes, a política e o jornalismo, envolvem o leitor no romance, compensam a escrita enxuta (o enxuto da escrita) e justificam a forma diário. O minimalismo da escrita de Alexandra Lucas Coelho não me é simpático, mas ele é deliberado e eficaz.



e a noite roda, Alexandra Lucas Coelho, Tinta da China, re-2014

Sem comentários:

Enviar um comentário