quarta-feira, 9 de abril de 2014

Deux ou trois choses que je sais d'elle





Não sei porque carga d’água a RTP resolveu programar para uma madrugada da semana que passou o icónico filme de Godard de 1967: Deux ou trois choses que je sais d'elle. Não faz parte de nenhum ciclo, não me parece ter surgido a propósito de nada e não teve por parte da televisão do Estado nenhum destaque. Os desígnios da RTP são insondáveis, dizem…

Deux ou trois choses que je sais d'elle cruza os géneros documentário e filme; aliás, eu diria que é explicitamente um falso documentário/ falso filme, sem se fixar num modelo; e Godard ensaia também alguns elementos do filme politizado que seria a marca do período seguinte, pós Maio de 68.

«Elle» é simultaneamente a cidade, filmada cruamente sob diversas perspectivas ou a personagem de Juliette Janson. O ruído dos carros ou das betoneiras intromete-se agressivamente no enredo, uma câmara fixa ou vogando lentamente de forma aleatória corta os diálogos ou mesmo os esconde, desenhando uma cidade desumanizada por um capitalismo cruel. Juliette é uma dona de casa frívola que se prostitui para alimentar o consumismo; mas outros personagens têm comportamentos inconsistentes ou mais ou menos fúteis.

A guerra do Vietname, discursos e imagens de políticos e do quotidiano atravessam-se nas conversas nos cabeleireiros, nos cafés ou nas oficinas, em contrapontos desagradáveis; e desagradável é o termo a utilizar, já que Godard nunca se preocupa em construir uma narrativa bonita ou sequer linear. Pelo contrário, o seu objectivo é incomodar.

Deux ou trois choses que je sais d'elle pretende ser uma alegoria ao capitalismo selvagem e aos seus efeitos nas cidades, na sociedade e nos indivíduos. A mensagem, relativamente primária, combina-se na forma, nas formas, experimentalistas, que são desde a primeira hora marca de Jean Luc Godard.
Documento de época precioso, infelizmente Deux ou trois choses que je sais d'elle não resistiu ao tempo.

(Curiosamente Deux ou trois choses... foi realizado no mesmo ano que Belle de Jour de Luis Buñuel, cuja história se centra numa mulher de um cirurgião - Catherine Deneuve, 24 aninhos! - que tem uma vida dupla como prostituta num bordel de Paris.
E estoutro sim, resistiu ao tempo)

Deux ou trois choses que je sais d'elle, Jean Luc Godard, 1967


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