domingo, 11 de janeiro de 2015

Cavalo Dinheiro





As primeiras imagens de Cavalo-Dinheiro, com Ventura arrastando-se pelos subterrâneos em ruínas, são poderosíssimas. Pelo filme passam personagens fugazes, a mulher que deixou, o filho, os amigos, o soldado da guerra colonial, os traumas do exilado, ele mesmo. As brumas atravessam-lhe o caminho, sem saída, que Pedro Costa não procura esclarecer.
Pedro Costa filma a loucura de Ventura da forma mais crua, a partir de um hospício – o frio do quarto, as paredes nuas, o refeitório sem pessoas, o elevador - onde o emigrante cabo-verdiano está internado. O realizador filma o delírio, a realidade confunde-se com o passado e os devaneios doentios de Ventura, que deambula pelas catacumbas da mente – o tempo que se/o confunde em diferentes dimensões e espaços.
Numa das cenas finais Ventura confronta-se com os fantasmas da guerra colonial no cenário fechado do elevador do hospital, a sós com um soldado, camuflado e imóvel, de espingarda em riste.


Ventura não é de todo o típico objecto do cinema, que mesmo quando faz deles actores, lhe recusam densidade e personalidade. E essa será uma dos grandes interesses do cinema de Pedro Costa: a representação da demência de um emigrado, um negro cabo-verdiano, um «trabalhador das obras», eleito das larachas, um personagem que o cinema sempre ignorou.
Do ponto de vista da narrativa Pedro Costa almeja filmar a esquizofrenia de uma forma hiper-realista. Pedro Costa enche o ecran com a figura do actor, numa fotografia e som verdadeiramente magníficos. A própria cor da imagem confunde-se com a cor da pele de Ventura, e os grandes planos que enchem o ecran procuram insuflar a densidade da loucura que pretende comunicar.
Posto isto.
Quase todo o filme se resume a um actor; a voz em off, os grandes planos concêntricos, os cenários minimalistas, o ritmo lento, a duração excessiva do filme, são obviamente premeditados, mas acabam por trair os objectivos do realizador. A imobilidade recorrente do actor e as vozes em off vão distanciando o público que não consegue «entrar» no personagem; o recurso (intencional) à «verdade da imagem» e a ausência de artifícios, revelam-se inadequados para representar a loucura.
O desajuste na inadequação da síntese de esquizofrenia e realismo cru têm o climax na cena onde Ventura enfrenta o soldado da guerra colonial, com o corpo pintado e imóvel como um soldado de chumbo (ou um dos homens-estátua da Rua Augusta), e que esvazia toda a densidade da cena e dos personagens.


Boas intenções e uma excelente técnica e fotografia não chegam para fazer um bom filme. Faltou cinema. 

Cavalo Dinheiro, Pedro Costa, 2014

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